Aprendendo com bichinhos

Darwin chamou de “struggle for life” o drama épico dos seres vivos no teatro da natureza. É a luta pela vida, pelo espaço, pelo alimento, pela espécie. Grupos que se antagonizam, semelhantes que se organizam. Somente o homem – com a civilização e suas utopias – ainda se esforça por estabelecer direitos, igualdades, respeito às diferenças. Mesmo assim, as guerras se multiplicam, os egoísmos se impõem seja na forma de culturas, de religiões, de ideologias.

O sonho da Igreja é, inspirada nos livros santos, tornar a humanidade “um só rebanho e um só pastor”. O dos políticos e dos tiranos, dos grupos econômicos e dos conglomerados é, também, o mesmo: que o mundo e o rebanho pertençam a um só pastor. Ou a poucos. Por mais que se mascare, portanto, o “struggle for life” darwiniano é atualíssimo.

Tenho tido o privilégio de meditar sobre isso apenas ao observar o teatro do meu jardim. Pois aconteceu que – com a devastação de matas, de sítios, de chácaras ao redor, substituídos por prédios – bichinhos foram aparecendo e instalando-se em meu espaço. Começaram a chegar tucanos, passarinhos que eu nunca vira antes, gambás, raposinhas, sagüis. E eles lutam entre si por seus espaços, em busca de alimentos.

Os sabiás estão enlouquecidos. Vi-os fazendo o ninho de seus filhotes num dos vasos da varanda e eu me sentiria orgulhoso se eles fossem lecionar em alguma faculdade de arquitetura ou de engenharia. Fio por fio, migalha por migalha, constroem seus ninhos que são nichos de aconchego, de boas vindas. A sabiá ficava chocando os ovos, gestando seus filhotes. Um triste dia, não se se foram gambás se tucanos, comeram os ovinhos. Os sabiás voavam enlouquecidos e não deixavam os sagüis se aproximar. Quando eu ia levar bananas aos macaquinhos, as aves avançavam sobre mim. E, com as asas, voando como que ferozmente, tentam agredir os sagüis, evitando que se aproximem.

Os gatos parecem ser senão os maiores, os mais temidos predadores. Passarinhos e sagüis os evitam; â noite, gambás fogem deles. Tucanos – sem qualquer referência a semelhantes humanos – parecem os mais oportunistas. É um teatro da natureza contemplado no cotidiano. Vendo-o não apenas assisto ao espetáculo, mas vou aprendendo com os bichinhos. E, quanto mais os observo, mais descreio do sonho social de uma humanidade inteiramente fraterna, desse “um só rebanho e um só pastor”.

A saída possível – creio nisso – é saber coexistir pacificamente nessa luta também humana. E conviver apenas com os escolhidos e pessoas amadas. Coexistir é preciso. Conviver não é preciso. Coexistir é necessidade social. Conviver é escolha. Bom dia.

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