Aprender com Nhô Serra

Esse texto foi publicado em setembro de 1988 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

O Nhô Serra é uma das pessoas mais impressionantes que já conheci. As pessoas, conforme suas crenças e ideologias, costumam rotulá-lo de mil maneiras: ora ele é médium, ora é iluminado, ora santo, ora demônio. Confesso que desisti de tentar compreender as coisas, de buscar explicações. A vida é para ser vivida.

Viver é preciso, saber não é preciso. Nhô Serra é isso: o homem que vive, o homem que é. Ele sabe das coisas por vivê-las no coração. E do seu coração, as coisas que ele sabe acabam lhe saindo da boca.

Lembro-me de certa noite quando estávamos num encontro religioso. Nhô Serra, na sua prodigiosa percepção da vida, brincava de ver nossas vidas através das palmas das nossas mãos. E então um jovem padre, querendo desafiá-lo, estendeu a palma da mão para Nhô Serra.

E Serra, sábio, tentou dissuadi-lo daquele desafio. Mas o padre insistiu. Acuado diante de tantas pessoas, Serra viu-lhe a palma da mão e disse: “Padre, há uma mulher loira em sua vida”! O padre, um jovem capuchinho, ruborizou. Nada disse, nada falou. Dois ou três meses, lá se foi embora, acompanhado da loira.

Nhô Serra tem a virtude dos seres humanos simples: vê com simplicidade. Sente o que existe. Cantando seu cururu, Nhô Serra falou coisas de mim que quase todos entenderam como brincadeira. E eram verdades, plenas verdades. Olhando nos meus olhos, ele me disse que não há quem me prenda, pois eu vou embora.

E eu vou mesmo, quando ao meu lado, não há alguém que tenha sonhos. Sonhar é preciso, acomodar-se não é preciso. A insegurança da vida e do mundo é infinitamente mais rica que a morte lenta e martirizante do cotidiano. E preciso ir, descobrir, arriscar, desvendar.

O lar é o lugar para onde se volta, não onde se fica. A família é o exercício para a conquista da vida. É a retaguarda serena e poderosa para que se conquiste a vida. Por isso, para mim, minha mulher e meus filhos são esse impulso. Ficar na família é morrer. Voar, a partir dela, é viver.

Homem e mulher não morrem porque se amam. Devem viver a partir do seu amor. Por isso, eu vivo por minha mulher e meus filhos, mas não morro por eles. Nhô Serra me entende quando me olha nos olhos e diz que vou embora no lombo de um pangaré quando sinto morte ao redor. Diante de quem aceita morrer, eu vou embora mesmo. “Vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do rei”! Sonhar é preciso, pensar não é preciso. E bom dia.

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