Árabes valem uma missa.

Desculpem-me os otimistas, confiantes e, também, ingênuos e mal informados. Mas eu não acredito em interesses democráticos no que está ocorrendo no mundo árabe. Os Estados Unidos – incluindo, agora, essa decepção chamada Barack Obama – continuam querendo aproveitar os últimos suspiros de sua hegemonia para aproveitar o máximo que ainda puderem dos recursos de países mais fracos. Especialmente, se tiverem, estes, reservas minerais, energéticas e alimentares.

Houvesse, no Brasil, uma imprensa realmente comprometida com a verdade dos acontecimentos – ainda há, mas são pequeninos veículos e menos influentes – estaríamos, ainda agora, comentando e repudiando a farsa que acontece no Iraque e no Afeganistão. E, de maneira especialíssima, a repugnante ação dos Estados Unidos diante do Egito. Ora, Barack Obama e Hillary Clinton, poucas semanas antes de acontecer a revolução popular egípcia, prestigiaram o ditador Mubarack, aplaudindo-o e dando-lhe voto de confiança. Aliás, por mais de 30 anos, os Estados Unidos mantiveram o ditador egípcio no poder, tornando-o títere para garantir o costado de Israel. E, ao perceberem a eclosão popular, não tiveram qualquer constrangimento em aplaudir a democracia, o direito dos povos à liberdade. Se é verdade que política e diplomacia são a arte da hipocrisia, os Estados Unidos são mestres nisso, ainda que entrando em colapso por descrédito e cansaço mundial.

Ditaduras e monarquias árabes têm sido, há décadas sem fim, prestigiadas e fortalecidas pelos Estados Unidos que, quando defendem seus interesses próprios, não falam em democracia. Como não falam em democracia ao negar explicações sobre torturas em suas prisões, em Guantánamo, no Iraque e em outras localidades. Se tanta influência ainda têm no Barhein, na Arábia Saudita, Jordânia, Iêmen – e na própria Líbia, já que Obama e Kadafi se haviam acertado em cumprimentos cordiais na reunião da ONU – por que não falaram em democracia antes?

A política internacional – mais forte e claramente do que a política interna dos países – é movida por uma força amoral e poderosa conhecida como “real politik”. Os Estados Unidos foram, no século passado, os grandes mestres dessa arte que, para eles, se resumia àquilo que Teodore Roosevelt denominou de “big stik”, a política do grande porrete. Isso foi em 1901 e, a partir de lá, os Estados Unidos arrogaram-se o direito de se tornarem a “polícia do mundo”, impondo a diplomacia do dólar que teria o seu clímax a partir da Segunda Guerra Mundial. Ama-me ou tema-me, dá ou desce, quem não está comigo está contra mim. Quando, agora, esse ditador furioso e cruel, o General Kadafi, promete um banho de sangue para se manter no poder, ele apenas está antecipando o banho de sangue que, em pouco tempo, as chamadas poderosas nações do mundo livre farão correr, novamente, no Oriente Médio.

Quem já se esqueceu no que houve no Brasil, no Chile, no Uruguai, na Argentina, em nome da democracia, quando as baionetas deixaram os quartéis, quando a CIA impôs estratégia, quando o governo dos Estados Unidos financiaram agitações? O uso, hoje, da internet para fomentar revoluções e rebeliões demonstra um poder extraordinário à disposição dos povos. Que, no entanto, pode ser manipulado por governantes de todo o mundo, interessados em destruir o outro para tirar proveito para si mesmo. Em política internacional, pois, nem tudo que se revela é verdadeiro. Vale mais o que está escondido, o não divulgado, o não tornado público.

Quando Henrique IV abjurou o protestantismo, aderindo ao catolicismo, para governar a França, pronunciou a frase síntese da “real politik”: “Paris vale uma missa.” Por que oceano de petróleo do mundo árabe não valeria essa missa de agitações justificadas por hipocrisias democráticas? É um déjà-vu. Bom dia.

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