As guerreiras de Piracicaba

GuerreirasA observação chega-nos de um casal piracicabano, Jairo e Mirtes, residente em Porto Seguro e assíduo leitor de A PROVÍNCIA. Vendo, neste jornal eletrônico, a foto de heróis piracicabanos da revolução de 1932 – entre eles, Odila Diehl, uma das mulheres que participaram da luta e da sedição – Jairo e Mirtes perguntam: “Por que Odila Diehl e outras piracicabanas são reverenciadas como heroínas e Dilma Roussef é considerada terrorista?” A única resposta que consegui lhes dar foi a de que a mesma imprensa que hoje desfigura é a que, antes, configurava.

Em 1932, mulheres piracicabanas vestiram uniformes, tomaram de seus fuzis, foram para o front enfrentar a ditadura de Getúlio Vargas. Lembro-me do relato de algumas delas, incluindo a própria Odila Diehl, mulher de Jacob Diehl Neto, e de Nair Barbosa: elas estavam prontas, em defesa da democracia brasileira pela qual São Paulo lutava, a dinamitar pontes, a armar emboscadas, a fazer guerrilhas. Eram, com outras mulheres paulistas, as representantes da valentia e da coragem da mulher piracicabana, que é a mulher brasileira. Já me referi a esse batalhão feminino de heroínas guerreiras de nossa terra, mas, ainda agora, me sinto orgulhoso em lhes citar novamente os nomes. Eram as 12 no front: Odila Souza Diehl, Dulce Ribeiro, Carlinda Barbosa, Ana Silveira Pedreira, Rosalina Juliano, Matilde Brasiliense, Presciliana Almeida, Ida Bandiera, Nair Barbosa, Etelvina Pedreira e a maior historiadora piracicabana de todos os tempos, Maria Celestina Teixeira Mendes. E a lista aumenta se nos lembrarmos do corpo de enfermeiras piracicabanas.

O “9 de Julho” é, ainda hoje, reverenciado como data cívica entre as mais celebradas dos paulistas, voltando a ser feriado após o golpe dos militares de 1964 tentar apagá-lo do calendário. Quando um militar de triste memória e recentemente falecido, Erasmo Dias, invadiu a universidade com armas e cavalaria, ele justificou o ato feroz com uma frase que falou tudo: “Guerra é guerra.” A violência do governo militar, a partir especialmente de 1969, foi feroz e lutar contra a ditadura, contra “as instituições em farrapos” – como o disse Júlio de Mesquita Filho – passou a ser dever cívico das pessoas decentes. Muitos fugiram, alegando terem sido exilados, quando, na verdade, pediram asilo para não enfrentar a realidade amarga e cruel de nosso país. Alguns, que se tornaram governantes neoliberais depois, asilaram-se até com bolsas de estudos. Os que ficaram foram espancados, torturados, perseguidos, milhares foram mortos. Acompanhei de perto, de muito perto, essa mancha negra de nossa história.

Se Odila Diehl e Nair Barbosa fossem jovens quando o golpe militar instaurou a mais cruel de nossos governos tirânicos, certamente teriam voltado ao campo da luta, de armas nas mãos, na clandestinidade, na luta suicida para enfrentar os meios utilizados pela ditadura, num regime que Erasmo Dias disse tratar-se de uma guerra. Foi nessa guerra que Dilma Roussef, com milhares de outros jovens, esteve. E, com Dilma, esteve, também, uma jovenzinha piracicabana, Renata Guerra de Andrade, que chegou a ser motorista de Carlos Lamarca, no enfrentamento da ditadura.

Ainda hoje, recordo-me da emoção que senti quando entrevistei, já na década de 1990 – em A PROVÍNCIA impressa – a valente Renata Guerra, piracicabana tratada como bandida por ter lutado contra a ditadura, mas que foi nossa heroína. Para os ditadores, seus herdeiros e asseclas, rebeldes pela liberdade são bandidos. Para os defensores da liberdade, bandidos são os tiranos. Bom dia.

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