Beduínos, coreanos, desertos.

Nunca acreditei pudesse, a qualquer cronista, faltar assunto. Quase sempre, falta disposição, vontade, até mesmo aquele mistério a que se deu – e poucos ainda dão – o nome de inspiração. Uma simples pena de passarinho, fazendo bailados no ar, motiva um comentário, uma crônica, correlações com a vida. Mas há o que, antes, se chamava “página em branco”, o branco da página que embranquecia, também, ideias, inteligência. Agora, há a tela em branco. Que dá na mesma. Pois, com se sabe, mudam apenas as moscas, quando o monte é o mesmo. E o mundo é esse monte que aí está.

O mundo árabe vais-se incendiando. Fala-se em rebelião de povos, de tribos. Em Piracicaba, coreanos estão lançando a pedra fundamental de sua primeira fábrica, aquela que, segundo o Instituto Forbes – e aqui publicamos – será a base de uma verdadeira cidade coreana a se construir em nossa terra dentro de mais alguns anos, cidade prevista com mais 200 mil habitantes. Portanto, assunto não falta. Mas chega um momento, na vida de um veteraníssimo jornalista, em que há perguntas mais cruciais, talvez fundamentais para ele mesmo: escrever para quê; continuar escrevendo por quê; tentar entender, compreender, analisar, qual o sentido disso?

A minha primeira experiência verdadeiramente acabrunhante de cultura de subdesenvolvido, de cidadão mergulhado na ignorância, eu a tive à leitura do livro “Rumo à Estação Finlândia”, do notável Edmundo Wilson. Em meus estudos, em minhas buscas, ler aquele livro era, para mim, a necessidade máxima, básica, fundamental. Mas não tinha sido, ainda, publicado no Brasil, tempos sem internet, sem Amazon, sem os intercâmbios culturais de hoje. E – recordo-me – mesmo assim eu me agoniava, pois, querendo e precisando ler aquele livro, não me conformava em assinar outras publicações estrangeiras, recebendo-as com atraso, mas atualizando-me. Eram “Newyorker”, “L´Osservatore Romano”, “Cahiers de Cinema”, alguns outros. Mas e “Rumo à Estação Finlândia”?

Para mim, seria o livro mais atual e importante daqueles tempos. Então, finalmente, foi traduzido para o português. Adquiri-o em 1987, empolgado, feliz por sentir-me, então, mais perto de atualizar-me. Foi, porém, quando me aconteceu a depressão profunda, o desânimo, o reconhecimento de meu subdesenvolvimento cultural. Pois a notável obra – tida como das mais importantes para interpretar a história humana – fora escrito, publicado e divulgado em 1940. Eu, portanto, estava apenas 47 anos atrasado e me metia a tentar posicionar-me intelectualmente diante do mundo.

O que sabem, nossos analistas, da cultura e dos povos árabes para, com tanto desembaraço, fazerem análises definitivas? A Líbia é um conglomerado de tribos árabes-africanas e Kadafi é rei de tribo. Quando lhe deram o título de “Rei dos Reis”, não se tratava de algo pretensioso como julgam os analistas ocidentais, mas o reconhecimento de que ele, entre os reis das tribos, era o rei principal. Apenas isso. Quanto a coreanos em Piracicaba, o choque cultural será inevitável, como inevitável foi quando viemos os antecessores imigrantes e conquistadores: italianos, árabes, espanhóis, japoneses. A grande questão é uma só, nesse deserto de reflexões, nesse deserto de sabedoria, tão hostil quando os desertos dos beduínos: “Em Roma, como os romanos.” No mundo árabe, como os árabes. No mundo piracicabano, como os piracicabanos. E que as culturas se entrecruzem. Pois prevalecerá a mais verdadeira e enraizada. Apenas isso. Quem viver verá: caipiras coreanos, coreanos caipiras? Bom dia.

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