Beira rio e turismo sexual

picture (7)Convenço-me de ter, pelo menos, intuído acertadamente quando, há alguns poucos anos, pensei entender a filosofia do turismo de alguns homens públicos, que são mais privados do que públicos. Turismo, para eles e em relação às nossas belezas da beira rio, parecia significar turismo sexual. Cheguei até a perguntar a um advogado amigo e a um delegado de polícia se existia, ainda, aquele antigo conceito legal de “atentado público ao pudor.” O advogado me garantiu ainda estar em vigor. Mas o delegado me disse que, no caso da prostituição, havia o “direito de ir e vir”. Ou seja: prostitutas, travestis podiam, sim, fazer negócios carnais na Beira Rio, na Rua do Porto, pois tinham o direito de “ir e vir”. Mas o problema era outro: eles “faziam ponto”. Ainda fazem.

Pois bem. Ainda canto e conto a amada terra piracicabana. Apesar de velhas e conhecidas raposas postas no comando do galinheiro. Há graves riscos e ameaças no ar. E eles já chegam ao povo, especialmente aos bairros periféricos onde a desesperança se instalou, permitindo o reavivamento da lei do mais forte, a situação darwiniana de sobrevivência que todos conhecem. Todos, não. Os que se trafegam e transitam com serviços pessoais de segurança, os que se enjaularam dentro de redomas de cristais – estes não sabem. Pois não têm olhos de ver e nem narizes de cheirar. Que se mantenha ainda outra vez registrado, como se registrou ao longo da evolução da riqueza canavieira: o etanol traz riquezas. Mas acompanhadas de miséria. A cana tem bagaços, desgraçadamente também humanos.

Atendendo a Rede Globo, numa reportagem especial sobre as belezas desta terra e o caipiracicabanismo que é nossa maneira de ser – um estilo ético e doce de vida, cavalheiresco e civilizado que nos chega desde os Moraes barros e Luiz de Queiroz – lá nos fomos à Rua do Porto, umbigo da cidade, pia batismal do povo. E ao longo da Beira Rio, privilégio da natureza, jóia geográfica, tesouro cultural. Como sempre, jornalistas se encantam. E, como nos últimos tempos, também se lamentam e se indignam: a prostituição aberta, declarada, consentida, permitida, talvez até mesmo estimulada pela dissídia das autoridades. Uma pergunta que, ainda outra vez, eu não soube responder: “Como pode haver toda essa prostituição num lugar turístico, com famílias e crianças?” Tivemos que , para filmagens, procurar um espaço onde não houvesse prostituição.

E – sinais dos tempos – um popular, vendo os cinegrafistas da Rede Globo, deu uma sugestão que lhe parecia importante. Apontou um cidadão que nos observava e sugeriu: “Filmem aquele homem. Ele é famoso: foi preso e ficou na mesma cela onde estava Paulo Maluf.” Em meio à prostituição, a bandidagem era significativa, um novo valor.

Pelo visto, a construção de pontes e de rotatórias – ignorando valores, princípios e sensos éticos – servirá para ligar o nada a lugar nenhum. Ou para unir prostituições de corpo e de alma. Reagir é preciso. Acovardar-ser é acumpliciar-se. Bom dia. (Ilustração: Araken Martins.)

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