Boas vindas aos coreanos, mas…

Coreia em PiracicabaAo contrário do que alguns pensam – certamente por ignorarem a nossa história – Piracicaba sempre foi, à nossa maneira, uma cidade acolhedora, de braços abertos ao estrangeiro. Quando escrevo “à nossa maneira”, digo-o para salientar uma de nossas características que pode ser confundida com exclusão: Piracicaba é cautelosa, para mim a “mais mineira das cidades paulistas”. Não acolhe de imediato. Estuda, observa, avalia e, então, acolhe. Ao acolher, é para sempre.

Das cidades paulistas, somos uma das raras que, desde o século 19, acolheu imigrantes. Foram levas de italianos, alemães, espanhóis, árabes, japoneses, algumas famílias judias, também franceses,  ingleses e outros. Essa interação foi-se dando aos poucos, mas solidamente. E foi ainda mais fortalecida com a criação de internatos que acolheram jovens estudantes de todo o país: internatos dos frades capuchinhos, do Assunção, do Colégio Piracicabano, da ESALQ, a antiga Escola Agrícola. Tornou-se, aliás, até preocupante para a juventude piracicabana a quantidade de moças que se casaram com estudantes e foram-se embora, espalhando-se pelo país.

Claro que existiram atritos, dificuldades e até mesmo preconceitos. Houve tempo em que se falava em “pardais” – os que vinham de fora – e os “nativos”, a gente local. A assimilação e a interação, no entanto, aconteceram de maneira tão sólida que formamos uma cultura própria, renovada, sem perder raízes. Aconteceu o que acontece sempre nessa fusão: a maioria absorve a minoria. Juntas, consolidam-se, numa troca de costumes, de hábitos, de tradições que formam uma poderosa raiz.

Agora, chegou a vez dos coreanos, com a chegada – intempestiva e sem contato com a sociedade civil – da Hyundai. Que sejam bem-vindos. Damos-lhes as boas vindas. Que venham para somar, para uma interação. E que se vejam, primeiramente, como hóspedes, não como hospedeiros. Que se vejam como convidados, não como donos da festa. Infelizmente, porém, pelas queixas da população, não é isso que tem acontecido. Há um conflito de culturas que era previsível, mas que não foi “a priori” avaliado com a necessária atenção e cuidados.

Os políticos e grupos empresariais escancaram as portas para a industrialização coreana, como se esta, por si só, fosse tão importante para Piracicaba. Importante será se não se ativer apenas à ordem econômica, mas se se reverter num enriquecimento cultural, numa troca de conhecimentos que apenas acontecerá se houver uma convivência pacífica, humilde e séria, sem pretensões de mandonismo ou de superioridade.

As queixas são constante e crescem. E se resumem, numa avaliação simplista e superficial, a apenas uma situação: “coreanos pensam que mandam na cidade.” E, convenhamos, eles até têm motivos para assim pensar, se realmente o estão fazendo. Pois alguns setores de Piracicaba – sempre os econômicos, numa elite nova mas falsa, sobre a qual ainda falaremos – por ambição e interesses grupais, tornaram-se quase que servis, com o medo de estar ausente do novo baile. Piracicaba teria – se possuíssemos líderes políticos e não apenas catadores de votos – que revelar, aos novos visitantes, o que somos, como somos e porque somos o que somos. Catadores de votos, no entanto, não se preocupam com cultura, com tradições, com história, com qualidade de vida da população, com defesa de raízes. A eles, basta o resultado de cada momento, na maldita fórmula econômico-eleitoral.

Se não tiverem a humildade de entender que chegaram como visitantes e como hóspedes – pois não se sabe quem ficará, até quando – haverá conflitos inevitáveis e criação de barreiras que poderão ser intransponíveis. Piracicaba – como o faz com todos os que chegam – os recebe de braços abertos, acolhedora e pronta a uma nova interação cultural. No entanto, a Hyundai deveria estar mais atenta ao comportamento social de seus funcionários. Pelo menos, para lhes lembrar a lição histórica que orienta a relação de todos os povos: “Em Roma, como os romanos”.

A única fórmula justa, honesta e verdadeira para essa nova realidade deverá sugerir, aos coreanos, a verdade que evitará conflitos: “Em Piracicaba, como os piracicabanos.” Ficará mais fácil. E bom dia.

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