Boca de sertão

Há uns cinco anos, alguns amigos enviaram-me um cd – e, na oportunidade escrevi sobre isso – no qual, entre outras gentilezas que me fizeram, estava um texto que, a pedido do “Estadão”, eu escrevera, para aquele jornal, durante as eleições do ano 2000. Lá se vão, pois, quase dez anos daquele comentário. O título do artigo era “Na boca do sertão é assim”. Com licença do leitor deste jornal eletrônico, permito-e divulgar alguns trechos:

“Situada na região de Campinas, a cidade está à margem das rodovias, na boca do sertão paulista. É o que lhe permite ser conhecida, também, como “Capital do Sertão”. E orgulha-se disso, com suas escolas e universidades – três campi importantíssimos: USP, Unicamp, Unimep – com economia sólida, tradições. Tem um estilo singular de vida, peculiaridades que permitiram o surgimento de, até mesmo, como que uma linguagem própria, um código comunitário.

Há alguns anos, quando ainda havia comícios na Praça da Matriz e palanques, um candidato a vereador levou o povo ao delírio prometendo que, se eleito fosse, iria “apedrejar a cidade toda”. O povo vibrou, entendendo a mensagem: o candidato, se eleito, levaria calçamento a todas as ruas da cidade. E, por esse código, o mais famoso de todos os prefeitos na história dessa Capital do Sertão (…), retornando da Europa, proclamou gloriosamente: “Cidade moderna é a nossa (…) Na Europa só tem museu, coisa velha. (…)”

O fato é que as coisas em Piracicaba, por mais que pareçam complicadas aos simples mortais, sempre acabam dando certo. À época, Luciano Guidotti recebeu, por dois anos consecutivos, o título de “Melhor Prefeito” do País. E, para Piracicaba, o diploma de “Município Mais Progressista do Brasil”. (…) E, em todas as eleições, os códigos do sertão funcionam como se o fantasma de Luciano Guidotti estivesse presente, como se a história nunca mudasse, pois história forjada pelo destino: as coisas são como são. Por isso, partidos políticos e candidatos não se preocupam em criar plataformas, em difundir idéias, em elaborar programas. Tudo já está escrito, definido, prefeitos e vereadores são eleitos antes das eleições como se não houvesse necessidade delas. Há um “faro”. Em ano eleitoral, o cheiro se espalha em esquinas e botequins e nas farmácias. Então, o “faro” e os fantasmas anunciam: “Neste ano, vai dar fulano. E beltrano. E sicranos.” E acontece.

Este mesmo mistério fará com que o PT vença as eleições (NA: de 2000) em Piracicaba. Por quê? Ninguém sabe. Nem o PT, nem o seu candidato. No sertão, saber não tem importância: as coisas são como são. O candidato do PT e o PT não apresentaram quaisquer propostas ou projetos político-administrativos. A única mensagem é aquela de sempre: “governo transparente”. (…) No sertão, isso basta. Pois os fantasmas sertanejos são transparentes e muito mais simpáticos do que os da Macondo do Garcia Marques. Em Piracicaba (…) ninguém precisa escrever ao coronel, pois todas as coisas já estão escritas(…): o vencedor será vencedor por já estar escrito (…) Apenas isso.”

Em 2000, em 2004, em 2008 líderes religiosos garantiram ser vontade de Deus que se votasse ora no PT, ora no PSDB. Parece que os céus escolhiam conforme o peso da balança. Alguma coisa deve ter dado errado pois, pelo jeito, Deus está começando a mudar de idéia. E, por isso, alguns de seus porta-vozes estão resolvendo, eles próprios, ser candidatos… Bom dia.

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