“Bonanza” e mundo melhor

BonanzaPenso ser tolas pessoas que têm receio de falar de sua saudade, de saudades. Somos feitos delas todas. Por isso, satisfaço-me com a definição, atribuída a Ruy Barbosa, de saudade, a que sempre me reporto: “é a vontade de outra vez. “ Ora, ninguém tem saudade de coisas, pessoas e acontecimentos ruins. Mas temos, todos, saudade do que nos agradou e do que nos encantou a vida. Querer outra vez não é regressar ao passado, mas poder trazer o melhor dele ao presente. O que somos nós, o que é o mundo, senão essa presentificação do melhor que tivemos no passado?

Saudade pode levar à melancolia e à nostalgia, mas há nuanças entre esses sentimentos e sensações. E são de tal forma tênues que se torna difícil diferenciá-los. Mas, embora sutis, há diferenças. Nostalgia seria uma saudade especialmente vinculada a um lugar, o homem nostálgico de sua pátria, de seu país, de sua cidade. E saudoso e melancólico por isso mesmo. Se tenho saudade de uma pessoa, ela pode me trazer a nostalgia de um lugar. E, no final de contas, tudo se mistura, nesse turbilhão de emoções, lembranças e sentimentos que nos domina.

Aconteceu comigo nestes dias, num acidental zapear de televisão. Passando, descompromissadamente, por canais e canais, eis que deparei com cenas que me eram conhecidas, música que me sobressaltou com emoção inesperada, levando-me a um inesperado retorno de sentimentos bons. Então, identifiquei o filme: “Bonanza”, o velho seriado do faroeste estadunidense em que a família Cartwright vivia agruras em seu rancho Ponderosa, em Nevada. Nem sequer mais me lembrava de “Bonanza” e, no entanto, tudo me voltou à memória com um impacto generosamente saudável: o seriado ao entardecer do dia e eu, voltando apressado para casa, para jantar com a família e assistir cada episódio com os meus filhos pendurados em mim. Eles amavam – e eu também – o grandalhão Hoss, bronco e generoso. E admirávamos a força e a dignidade de Bem Carwright, homem da lei e do bem, protetor e amigo dos índios, ardoroso combatente dos homens brancos que invadiam terras, que matavam gado e destruíam florestas.

Então, meu filho já quarentão, a meu lado, começou a se lembrar de coisas, de sua infância, de nós mesmos, dos irmãos, da casa, daqueles momentos, tudo como que resumido à imagens de “Bonanza”. Quanta ingenuidade naquele seriado, quanta visão idílica de mundo, mas quanta mensagem de alerta para um tempo de crueldades que começava a surgir! Em “Bonanza”, revendo-o, percebi graves advertências, não sei se conscientes ou inconscientes, quanto à destruição do meio ambiente, reações à ambição devastadora do ser humano. Era, na verdade, um hino à natureza, ao vínculo com a terra, a reação contra a força do mal impulsionado pela cupidez sem freios.

Não sei quando começou a reprise do seriado, se irá continuar. Sei que voltei a vê-lo com emoção renovada e uma certeza animadora, que me traz esperanças: nós éramos bons, o mundo era melhor! Seria loucura acreditarmos que todo o sonho acabou e que o idealismo foi vencido pela inominável sanha destruidora que varre o mundo, capitaneada também por políticos, incluindo os das pequenas comunidades como a nossa. Minha convicção: há, ainda e felizmente, muitos Cartwright por aí, dispostos a enfrentar o vandalismo moral e a sobreviver num mundo hostil com honra e com dignidade. No final, a vida, como nos filmes, acaba sendo vencida pelos mocinhos. Os bandidos acabam perdendo, apesar de vitórias que parecem definitivas. Aguardo o próximo capítulo. Com ansiedade. Bom dia.

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