Brasil
A fragilidade de memória brasileira talvez seja – por que não? – uma das principais causas do masoquismo nacional, de uma visão sempre superficial das coisas. É como não déssemos importância a nada – nem mesmo às alegrias – e deixássemos de diferenciar o bom do ruim. De minha parte, porém – e por dever diante de minhas atividades – tenho memória, separo-as, mas as conservo.
No último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso – quando o Brasil estava à beira do precipício, lembram-se? – vi-me na fila de um empório próximo de casa. Ia comprar pão e queijo. À minha frente, uma humilde senhora fez o seu pedido: queria quatro pãezinhos e doze fatias de queijo! Instantaneamente – e amargamente surpreso – entendi: seriam quatro sanduíches para o jantar, cada qual com um pãozinho e três fatias de queijo! Acabrunhado, saí da fila e nada comprei.
Leio jornais desde a mais tenra infância. Vejo-me, ao recordar-me, sentado no colo de meu pai e ele, lendo para mim, notícias do “Estadão” e do “Diário de Piracicaba”. Foi quando tive o primeiro contato com as letras, sendo alfabetizado antes de ir à escola. Passei a ler, por meu próprio interesse, quando eclodiu a Guerra da Coreia (1950/53). E fui inteira e definitivamente imantado quando da crise que levou Getúlio Vargas ao suicídio, o seu triste final em 1954. Eu tinha 14 anos. E, aos 16, decidi ser jornalista.
Posso dizer, pois, estar acompanhando crises, guerras, golpes, campanhas sórdidas, uniões políticas espúrias, jornalismos tendenciosos há, portanto, cerca de 70 anos. Com nuances e diferença perceptíveis. Antes – e tenhamos o “Estadão” como referencial – jornais tomavam posição aberta e declaradamente. O “Estadão” apoiava a UDN, era ferozmente contra Getúlio e o getulismo – e não tinha que dar satisfações a ninguém, pois tudo era feito às claras. E com textos admiráveis. Concordando ou discordando, sabia-se haver o principal: honestidade de propósitos e de princípios.
Havia debates, polêmicas, confrontos de ideias, de pensamentos, de ideologias. E, quase sempre, ferozes. Minha geração não se esquece das grandes polêmicas entre Carlos Lacerda, Davi Nasser, Chateaubriand, Júlio Mesquita, Samuel Wainer. Debates intensos e ideias diferentes, muitas ideias. O jornalismo era uma escola de linguagem e, também, de retórica. Defendia partidos com os quais se identificasse, sem, no entanto, cooptação ou cumplicidade. Um exemplo: Júlio Mesquita era feroz defensor de Carlos Lacerda, mas rompeu com ele quando este se voltou contra Jânio Quadros. Era o Brasil, sim, que estava em jogo, no tempo da “guerra fria”, da geopolítica, diante do advento de ditaduras militares nos países em desenvolvimento.
Retorno àquele meu choque pessoal num empório de bairro, onde e quando vi a humilde mulher comprando apenas quatro pãezinhos e doze pedacinhos de queijo recortado. Pois vejo agora – aonde quer que vá, onde quer que esteja – multidões de antigos pobres adquirindo produtos primários à sobrevivência à farta. E uma multidão de novos proprietários de automóveis. E pouca gente pedindo esmola nas ruas, a não ser os infelizes dependentes de drogas. Como dizer que o Brasil não mudou? Como querer compará-lo ao que éramos há 10 anos? Por que tentar enganar o povo com a macroeconomia – que favorece, na verdade, os poderosos e especuladores – quando o povo já ascendeu alguns degraus na escola social? E a freqüência às universidades? E o índice de empregos? E as novas pequenas e médias empresas? E as casas próprias?
O Brasil é outro, senhores. E não há mais que se falar em futuro, pois o presente chegou. Com montanhas ainda de erros, de defeitos, de falhas, de dificuldades, de injustiças. A classe política é infame, com poucas exceções. E todo governante é obrigado a fazer negócios e a ceder às quadrilhas do Legislativo para conseguir governar. Mas o Brasil é outro. Retornou a seu futuro. E o povo brasileiro não pode ficar amedrontado com tanto terrorismo espalhado pelo conluio capital-meios de comunicação.
O verdadeiro nome de nossa gente é Brasil-Esperança. Somos um povo que precisa de alento, de confiança, de alegria – para espantar, de vez, o medo sombrio das senzalas. O mundo, a partir de 2020, dependerá cada vez mais do Brasil: 40% da produção agrícola serão brasileiras.
A depressão que se lança contra a gente brasileira é artificial. É preciso ter um povo assustado e deprimido para mantê-lo dependente ou cativo. O gigante acordou. O “pensamento único” disseminado pelas forças apavoradas não podem contaminar a nação. A proximidade da Copa do Mundo derrotou os malfeitores e já nos soa aos ouvidos, novamente, o grito uníssono da alegria confiante: “Todos juntos, vamos, prá frente Brasil, Brasil….” Bom dia.
Beleza de texto, Cecílio. Concordo plenamente. A ‘ricada’ não suporta a ‘pobrada’ tratando-a de igual para igual, viajando de avião, invadindo praias particulares, frequentando faculdade, exigindo direitos e etc. A tal elite brasileira está se borrando porque a era de privilégios está em xeque. Ou freia a própria ganância ou ninguém mais vai ter sossego. Ou tem pra todo mundo ou não tem pra ninguém. Vi na imprensa o Aécio ridicularizando aumento dado pelo governo à Bolsa Família. Desde quando esse boyzinho, que se projetou `custa do avô, se preocupa com a pobreza? O que ele fez como governador de Minas para diminuir as injustiças no seu próprio Estado? Piracicaba tem mais mineiro que piracicabano. Vieram em busca de tratamento médico, remédios, emprego, casa e comida. Abrimos mão de uma qualidade de vida melhor para acolhê-los. E esse cara quer governar o Brasil? Se fizer no Brasil o que fez em Minas estaremos fritos. Quanto à imprensa brasileira dá até medo. Quem quiser ficar por fora dos fatos leia os grandes jornais, revistas e veja tv. Como diz Arthur Miller “Um bom jornal é uma nação falando consigo mesmo”. Aqui ele falam sozinhos.
Belíssimo texto. Parabéns.
Muito bom! Ainda tem muito o que arrumar, mas houve progresso sem dúvidas.
Parabens Cecilio. Texto excelente!
Texto perfeito. E os comentários de vocês também. É bom saber que, diante de tanta pressão da mídia e da conversão de pessoa mal informadas ou mal intencionadas, existem pessoas como nós, que sabemos enxergar a grandeza do momento,do avanço e do que ainda precisa ser arrumado.
Parabéns a todos.