“Cada macaco no seu galho.”

rolezinhonoshoppingA democracia tem sido – em todos os espaços onde ela se imponha – nada mais do que uma capa protetora dos interesses do mercado. Todas as instituições – mesmo as que alegam autonomia e independência – estão engessadas pelos interesses econômicos. Na realidade – dê-se-lhe o nome que quiser, de neoliberalismo a social-democracia – o mercado nada mais é do que a zona de conforto do velho capitalismo. E, neste, é proibido sequer falar em justiça social. Quem o fizer, será tachado de comunista ou subversivo. Até o Papa Francisco e o Presidente Obama já estão na lista negra dos donos do mundo.

Identificando as classes sociais por seus rendimentos e capacidade de consumo, as sociedades capitalistas estabeleceram uma hierarquia que pode se resumir numa expressão conhecida pelo povo: “Cada macaco no seu galho.” E estabelecem-se os galhos para negros e para brancos, para pobres e para ricos, para patrões e para empregados. Há, sim, uma clara divisão de classes, estabelecida pela  economia e  não por direitos ou méritos.  Assim, quando o negro e o pobre – excluídos dos bens e à margem deles –  ascendem na vida econômica, eles deixam de ser ignorados e passam a ser aceitos pela sociedade. Quem – nas suas mansões dos jardins – percebe que Neymar, Pelé, Cafu e tantos outros são negros e foram pobres? Eles são ricos. E isso basta.

Os garotos que têm feito “rolezinho” por aí nada mais são do que jovens que ousaram “sair de seus galhos”. Ao que tudo indica – e pelas declarações de muitos deles – nem sabem o que estão fazendo, a não ser imitar, à sua maneira, a ostentação estúpida dos muito ricos. Será que essa pretensão vale a pena? Não estariam, esses garotos, sendo vítimas do próprio mercado, seduzidos por valores que nada têm de especial? Os espanhóis têm um ditado que serve tanto para os chamados novos ricos como para os que o desejam ser: “A macaca, mesmo vestida de seda, continua sendo macaca.” Isso significa que, mesmo ostentando, a pessoa medíocre continua sendo medíocre. É essa mediocridade que pretendem os jovens dos “rolezinhos”?

Por isso, essa toda movimentação juvenil não me impressiona. E nem vejo, nela, uma rebelião ou um protesto de ordem social, de busca de justiça. O objetivo tem-se revelado como busca da ostentação. Que significa, na verdade, exibicionismo, espalhafato, alarde, luxo tolo. Se essa é a busca, os jovens dos “rolezinhos” haverão de contentar-se, desgraçadamente, com “pão e circo”.

Esse “cada macaco no seu galho” é sentido em todas as sociedades, inclusive as governadas pela tirania. E está claro em nosso cotidiano. Lembro-me de que, certa vez, no Mississipi, entramos num restaurante só de negros: quase fomos agredidos. No Rio de Janeiro, vi uma programação com o nome “Anos Dourados” e me entusiasmei para conhecer o restaurante. Quase fomos, minha mulher e eu, expulsos: era um local para homossexuais. O heterossexual estava, pois, fora do seu galho.

A grande e necessária luta é em busca de justiça social, de uma economia humanizada, que sirva o homem e não que se sirva dele. É a luta por igualdade de oportunidades, por educação, por saúde, por segurança, por trabalho e, acima de tudo, pelo respeito à dignidade do ser humano. “Rolezinhos” em “shoppings” não levam a nada. Pelo contrário, revelam uma cultura consumista que, na realidade, só interessa ao próprio mercado. Pois parece-me trágico ver jovens ambicionando apenas tornarem-se consumidores mais capacitados. É a escolha da morte, pois o verdadeiro significado de consumir é esse mesmo: fazer desaparecer, usar, utilizar, correr, destruir, dar fim. Consumidor, pois, não cria: faz desaparecer.

O tolo susto dos que habitam os “galhos dos shoppings” aconteceu, apenas, porque jovens intrusos  “saíram de seus galhos”. Para nada.

Deveria, porém, valer como estímulo para a juventude mobilizar-se por causas mais ativas.  De qualquer maneira, os moços mostraram ser possível, sim, mudar de galho. Para melhor ou para pior. Bom dia.

1 comentário

  1. Delza Frare Chamma em 24/01/2014 às 20:15

    Concordamos com o autor de que a verdadeira luta deva ser pela justiça social e por uma economia humanizada. Porém, lembramos que essa luta só pode ser feita no momento em que educação e a cultura sejam direitos equitativamente distribuídos. Não o são porém e dificilmente serão em uma sociedade capitalista. É por isso que vemos no movimento desses jovens, tomando os territórios assépticos, luminosos e proibidos dos shoppings, um protesto sim, um desejo de ser igual aos outros e ter os mesmos direitos. E se o modelo que esses jovens pobres, negros e excluídos de quase tudo, têm – são os distribuídos fartamente pelo capitalismo, como sede de consumo e ambição por “marcas”- é somente por aí mesmo que eles podem se encaminhar. O capitalismo faz nascer a ambição e o desejo de consumo mas não se deu conta ainda que tais desejos são incompatíveis de ser alcançados por todos. Essa é uma das contradições desse regime injusto. Que aquente, pois, a sociedade excludente os “rolezinhos” que ela própria gerou.

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