Cães de guarda

Ladrão e o cão de guardaAprendi já aos  16 anos – quando iniciei a minha carreira – que jornalistas têm o dever de ser “cães de guarda da sociedade”. Por isso, precisam ladrar. Se não o fazem, tornam-se desnecessários. Lembro-me de que, num momento meu de grande desânimo durante a ditadura, D. Aníger Melilo – meu verdadeiro pai espiritual – me estimulou a retornar à luta. E apenas falou: “Ai do cão de guarda que não ladra!”

Tudo bem. Isso é verdade. Acontece, no entanto, que os cães de guarda – de tanto ladrar e não serem ouvidos – acabam desanimando. Para que ladrar, fazer barulho, se ninguém se importa? Os donos da casa, muitas vezes – ou quase sempre, nos últimos anos – acabam acostumando-se com o ladrar dos cães e, por preguiça ou comodismo, inventam interesses: “Está latindo porque apareceu um gato. Late porque

viu algum bichinho noturno.” E voltam a dormir o seu sono esplêndido, deixando a casa à disposição do bandido.

Logo, ter cães de guarda e não ouvi-los é luxo desnecessário. E estúpido. Pois, com o tempo, o cão se cansa, desiste de advertir o dono e se torna apenas um animalzinho doméstico. Ficam, os cães, desanimados com o desleixo e a indiferença dos donos. E desistem de desempenhar suas funções e de assumir responsabilidades. Afinal de contas, se ladra e não é ouvido, para que ladrar?

Na imprensa, acontece de maneira ainda mais grave. Há poucos cães de guarda que ladram. E os poucos que o fazem apenas incomodam ou irritam. “Por que esse cão ladra tanto? Por que não fica quieto?.” A função e a responsabilidade de “guarda da sociedade” deterioraram-se. Por culpa dos donos (a sociedade) e dos próprios cães (jornalistas). Se a sociedade somente se agrada com cãezinhos de estimação, amáveis, carinhosos – vejam o colunismo social, os veículos de futilidades – cães de guarda apenas atrapalham. Incomodam. Num tempo em que quase mais ninguém – apesar de tantas abominações – quer ser incomodado.

Essas coisas, a respeito delas reflito a partir da decisão judicial que anulou o procedimento ditatorial do presidente da Câmara de Vereadores, João Manuel, ao exonerar o chefe de gabinete do vereador Paulo Camolese, o respeitado e honrado Antônio Oswaldo Storel. Tive vontade de comentar novamente a grave questão, de ladrar, de tentar despertar os donos da casa para a ameaça real da insegurança dela. Mas desisti. Para que ladrar, se isso apenas incomoda, se não há reação, se a sociedade insiste em se manter apática, submissa e, por omissão, apoiando a ação dos que a desprezam?

João Manuel tornou-se, em seu fim de carreira, o símbolo da deterioração dos valores cívicos e políticos desta terra. O simples fato de ele continuar sendo eleito para a presidência da Câmara Municipal demonstra o nível de mediocridade a que chegamos. Cargos de chefia, de comando, de liderança supõem sejam exercidos pelos melhores, mais preparados. Mesmo porque, quando eleitos por seus pares, devem representar as qualidades pelo menos médias deles. Se vereadores elegem João Manuel como o mais preparado para a presidência, isso significa seja, ele, melhor do que os que o elegeram. E assim se confirma duplamente: “Todo povo tem o governo que merece” e, por conseguinte, “Toda Câmara tem a presidência que merece.”

Mas Piracicaba merece? Desgraçada e amargamente, tenho que admitir: “Piracicaba merece.” Pois não se cuida, não se preserva, não reage e nem age, submetendo-se à ascensão da mediocridade que a tudo controla. Mediocridade é doença contagiosa. Se não for contida, espalha-se. Espalhou-se. E o ladrar de alguns poucos cães não serve para mais nada. Em especial,  o meu. Bom dia.

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