Cansaço

Sinto que o cansaço me venceu. Pois a vontade é a de me entregar, de jogar a toalha. É como se, no teatro do boxe, finalmente o adversário me tivesse atingido o fígado, atirando-me às cordas, roubando-me a capacidade de respirar. De repente, estou querendo ar, incapaz de ver ou de avaliar o que está ao meu lado. Quero ar, apenas isso. É o nocaute.

E percebi que tudo isso aconteceu quando, num anoitecer de um domingo chuvoso, me dei ao luxo e ao prazer de ficar diante do televisor, vendo tolices e bobagens, e sentindo alegria por vê-las. Era tudo o que eu queria: ficar diante do televisor, petiscando diante do televisor, longe da maquininha em que escrevo, sem atender telefone, campainha, sem pensar em nada que fosse responsável ou produtivo. Em resumo: não pensar, em nada pensar, não refletir, não criar, não escrever, não ter qualquer compromisso ou responsabilidade; a vontade absoluta, plena e dominadora de ser idiota, doente mental, indiferente, asséptico, clone de alguém, autômato, andróide.

E tive ainda mais certeza desse cansaço e do nocaute quando, debaixo da árvore, fiquei lendo um “bestseller” de tolices totais e me deliciei ao lê-lo.

E mais ainda porque, sem qualquer sentimento de culpa ou de remorso, estirei-me no chão e fiquei ouvindo Ray Charles cantar “Stella by starlight”, emocionando-me, dando-me aos supremos luxo e prazer de apenas ficar ouvindo, de permitir a fantasia do retorno a um tempo, a emoção de una despedida angustiada, uma noite da juventude em que, vendo aviões partirem do Aeroporto de Congonhas, ela e eu nos despedimos entre lágrimas — o amor trucidado, tornado impossível pelas bruxas da época — ouvindo “Stella by starlight”.

Era o amor impossível, eu sei. Mas, depois dele, eu me tornei profissional, marido, pai, cidadão, homem de mil rótulos. E tudo isso me cansou, cansaço de morte.

Fico escrevendo e escrevendo, pensando e pensando, refletindo e refletindo, meditando e meditando. Sobrou-me o estresse, esse cansaço que me rouba a própria alma. Então, descubro – vendo o mundo pela tevê, ouvindo Ray Charles – o idiota que sou, o tolo em que me tenho transformado, o bobo que tenho sido.

Ao meu lado, estava a mulher que era a síntese de todas as que eu amei ou que pensei ter amado, fantasias que se tornaram realidade. Cansado de morte, não me dei conta disso.

Então, na madrugada desse meu cansaço mortal, ouvi Ray Charles cantando “Stella by starlight”. E não haviam despedidas e nem aviões que decolavam de um aeroporto, não havia adeuses, não havia passado. Era um presente bom. Tomei-me, então, da coragem que me faltou há tantos anos que se foram. Encostei o dedo no ombro da mulher que repousava ao som de “Stella by starlight” e lhe propus: “Quer fugir comigo?” ela aceitou e as forças me voltaram e o ar me encheu os pulmões. Bom dia.

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