Cansaço das gentes

Viver é um processo permanente. Só a morte o interrompe. E, mesmo assim, deixa conseqüências e provoca transformações nos que ficam. Vida, pois, é movimento. Que, no entanto, deveria ser harmônico, para não se confundir com o caos inicial. Logo, causas produzem efeitos. E estes se tornam causas de outros efeitos. E assim vai.

Há cerca de 30 anos, meu pai – conversando comigo na calçada – me chamou a atenção: “Filho, você já percebeu que ninguém mais assobia nas ruas?” Eu ainda não tinha percebido. Foi quando, então, me dei conta de que a musicalidade das pessoas estava sendo substituída por rugas de preocupação nos rostos, por ruídos que superavam outros sons, pela pressa, pelo perda do olhar. Pois, antes, pessoas caminhavam pelas ruas com mais calma e prazer – era o flanar por aí – assobiando músicas baixinho. E cumprimentavam-se e se diziam palavras agradáveis.

Estou querendo dizer que essa loucura absurda dos nossos tempos não aconteceu de repente e nem abruptamente. É resultado de um processo de perdas, de desleixos, de descuidados. Civiliização é ordem e são regras. Quando as rompemos ou permitimos sejam rompidas, quebramos cristais. Gentilezas, delicadezas, pequeninas atenções, elegância nos gestos e nas palavras eram parte de um universo civilizado onde as coisas eram definidas: havia, sim, o bom e o mau, o bem e o mal, o certo e o errado. Até mesmo os tabus e preconceitos – que existiam, menos escondidamente do que hoje, quando ainda existem – eram importantes, desafios a ser vencidos, obstáculos a ser superados.

A pouco e pouco, pois, fomos descuidando do que pensamos fosse indispensável mas que, agora, sabemos ter sido essencial. Não há sociedade sem regras, a não ser essas que adoram e idolatram o mercado, onde tudo tem preço, incluindo pessoas. Mas será que tem valido a pena, mesmo com esse fantástico mundo tecnológico que, ao mesmo tempo, melhora a qualidade de vida e desumaniza o humano?

Quem pretende ser escritor, ator, autor, pintor, artista enfim – esses têm que ter olhar e ouvidos atentos. Para ver, ouvir, observar, enxergar o que acontece a seu lado, consigo mesmo e com as pessoas. Meu pai, quando percebeu pessoas não mais assobiando nas ruas, teve ouvidos de entender que algo precioso começava a ser abandonado. O quê? Ora, nada mais e nada menos do que a alegria de viver, a serenidade, talvez até mesmo a paz interior.

Hoje, observando as ruas, não se vêem mais pessoas serenas. Umas não enxergam as outras. Corre-se como se não se soubesse porque e para onde. O barulho dos automóveis, dos gritos das casas comerciais, dos ambulantes, dos carros de propaganda – eis aí os substitutos das pessoas que, levemente, assobiam pelas calçadas, sorrindo uns para os outros, cumprimentando-se, a elegância de um homem querer preservar seu cavalheirismo e de uma mulher revelar-se dama. Trocou-se tudo isso por uma mediocridade alarmante. E galopante.

Há cansaço no rosto das pessoas. É o mesmo cansaço que deve existir nas manadas quando tangidas por cavaleiros com esporas nas botas e chicote nas mãos. Cada um, agora, é um homem-massa. Tem que ser produtivo e consumidor em proporções cada vez maiores. A arte de viver – a ainda intocável “l´art de vivre” dos franceses – desapareceu. No lugar dela, sobrou esse cansaço que, na realidade, é mais moral e espiritual do que físico. Faltam assobiadores nas ruas. Bom dia.

2 comentários

  1. Guilherme Andreolli em 28/11/2012 às 08:06

    Cecilio sou grande admirador seu. Sou descendente direto de uma família que faz parte de Piracicaba ainda hoje: a Família Teixeira Mendes. Gostaria de fazer contato com você. Seria possível?

  2. Geraldo de Arruda Jr em 29/11/2012 às 07:58

    Bom dia!
    Lindo texto, muito bom para refletir.
    Ps. Eu ainda assovio nas ruas…

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