Castidade e celibato alheios

CelibatoA mais genuína sabedoria é a que se dá pelo coração. Mais do que a razão, é ele que sabe. Reporto-me, quase sempre, ao jogo de palavras que os franceses adotam: connaïtre e co-naïtre, conhecer é co-nascer. Cada conhecimento é um nascimento. E, se vem do coração, é bênção.

O simplismo do jornalismo televisivo assusta. É como se, no mundo, nada existisse além da vida sexual das pessoas. Especialmente, se forem padres e freiras e algum escândalo de pedofilia, este, insuportável, sim, em qualquer circunstância. Às vezes, nem pedofilia é, mas a efebofilia tão prazerosa aos gregos antigos, apreciadores de adolescentes do mesmo sexo. O farisaísmo da imprensa e dos Catões de cada hora se vai tornando intolerável, pois as análises que fazem é de surpresa, de aterramento – como se nada disso existisse em outras instituições, incluindo as famílias. O ser humano é o mesmo onde quer que esteja. Com suas grandezas e misérias. Logo, todas as coisas humanas ocorrem dentro das igrejas, nos exércitos, nos lares, nos orfanatos, nas escolas, nos clubes esportivos. As farsas centenárias em relação à sexualidade humana ainda trazem desencantos. E tragédias.

Quando Leonardo Boff – um homem admirável, sem dúvida alguma – é entrevistado na televisão, jornalistas lhe fazem as mesmas perguntas: pedofilia, efebofilia, castidade e celibato na Igreja. É curioso e contraditório: se leigos, católicos ou não, não admitimos intromissões do Papa em nossas alcovas conjugais, que direito temos de, em nome de padres e freiras, discutir questões como celibato e castidade deles? É tal o “non sense” que permite intelectuais poltrões responsabilizem o celibato dos padres e os votos de castidade pela pedofilia e outros desvios sexuais no seio da Igreja. Como se dessem conselhos paulinos, filosofam: “se os padres fossem casados…”

Não sendo celibatário e muito menos casto, vejo, com melancolia, esse reducionismo do casamento e da vida sexual como solução para desvios e crimes sexuais. É simplismo demais. E uma visão puramente genitalista, de sexismo mecânico,da união e do amor entre as pessoas. Pior ainda, mostra desrespeito à opção pela castidade, que é um bem precioso para os que a escolheram em suas vidas. A tese é grosseira: se o padre casar-se, estará sexualmente satisfeito e, portanto, não haverá pedofilia na Igreja, nem homossexualismo, nem efebofilia ou o raio que os parta. Esse raciocínio pobre talvez explique porque o casamento – transformado em vala comum dos fracos e infelizes – se tornou teatro quase preferencial das tragédias humanas nos últimos séculos.

Pessoas casadas seriam, assim, apenas corpos que se trocam. No entanto, se o casamento bastasse para resolver questões sexuais, não haveria pedófilos entre os casados, nem homossexuais, nem adúlteros. A questão é de tal ordem complicada, delicada, de dimensões tão amplas, que o melhor seria não meter o bedelho nas coisas da Igreja e seus fiéis e, assim, enquanto eles resolvem as suas questões, iríamos nós tentar resolver as nossas. Que não são poucas.

O início da escrevinhação foi sobre a beleza de não entender, a busca do conhecimento pelo sentir. Não é mais possível racionalizar as coisas, todas elas. Tornou-se óbvio que o grande vazio de nossos tempos está na ausência e na perda do sagrado. A serpente reapareceu, voltou a seduzir e, então, ficamos sem sagrado algum. Ou, por banalizar o mistério, acabamos construindo objetos e bens valorizados demais. A civilização quis substituir o sagrado ancestral e Moloch retornou: o Mercado ocupou o lugar de Deus e dos deuses. Assim, o símbolo da Cristandade deixou o Vaticano e os altares. Está no Partido Republicano dos EUA. E, no Brasil, imitamo-lo. Bom dia.

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