A charrete e a égua

CharretePor muitos anos, morei num local distante da cidade, entre chácaras e sítios. No início, nem sequer tinha iluminação pública. E essa não era uma deficiência, mas algo que beirava a bênçãos. Pois, numa noite de temporal intenso, quando tudo amainou, foi-me dada a graça de presenciar um dos mais belos e inesquecíveis espetáculos da natureza. Miríades de vagalumes piscavam luciluzindo uma penumbra  de luz azulada. Não precisávamos de postes ou de lâmpadas nas ruas.

O  lugar mais próximo para compras era um supermercado que  parecia um daqueles armazéns de filmes de faroeste. Com travessão para amarrar cavalos também. Pois havia, sim, quem fizesse compras a cavalo. Certa tarde,  vi o moço atlético –  morador de uma chácara requintada – sair do armazém com uma grande sacola, amarrando-a na sela junto ao quadril do cavalo e lá se indo a cavalgar.  Fiquei com inveja, acho que  por minhas lembranças de John Wayne. E, doutra feita, inveja ainda maior, tive-a ao ver, em meio ao pequeno bosque que nos cercava, um garoto – peito nu,  de calção, descalço – passando em disparada montando a pelo um garboso garanhão. Senti-me fora do mundo. E enciumei-me daquela visão plena de liberdade.

Chamavam-me de ermitão. E há, ainda hoje, quem pense em homem solitário, recluso, num tempo em que a opção pelo silêncio parece absurda. Como ficar ausente do espetáculo do cotidiano? Como não participar de todas as festas anunciadas? Como suportar a magia do silêncio, se é, o mundo,  uma orquestra de ruídos? Nenhum comentário me incomodou ou incomoda, pois foi a escolha que, ainda agora, me pacifica. E não me esqueço de um sobrinho meu, garotinho e morando em São Paulo, que viu, naquele lugar, galinhas ciscando o chão, cavalos pastando. O garoto, excitado como se tivesse visto Papai Noel, gritou para a mãe, chamando-a: “Mãe, mãe… Venha ver a Knor.” Galinhas, ele apenas as vira em propaganda de televisão.

Nunca deixei, porém, de acreditar no retorno do belo, na volta do homem aos tesouros da natureza. Creio no eterno retorno e este nada mais é do que a sobrevivência do bom e do belo. A feiúra é feia. Ninguém suporta, por muito tempo, feiúras da vida. E a beleza imanta,magnetiza, purifica. Num documento belíssimo, endereçado aos artistas, João Paulo II afirmou que “o homem é chamado a ser o artífice de sua própria vida.” E enfatizou: “o homem precisa da beleza para não cair no desespero.” E que desespero tão doloroso quando o de as pessoas ficarem aprisionadas no trânsito, cercadas de automóveis por todos os lados e, logo em seguida, aprisionarem-se em suas próprias casas?

Essa minha certeza de que a transição passará e de que a poeira irá baixar após a grande destruição de valores – certeza que se não baseia em otimismos tolos, mas numa sólida esperança – vai se acentuando cada vez mais. Os exemplos estão à vista, quase ao alcance das mãos. A juventude – que parece aturdida com as redes sociais, como se criando um novo mundo – tem ansiado pelo simples, pelo cativante. E é a beleza que cativa, que convence, que atrai. Quanto mais for semeado, mais, como um pólen mágico, espalhar-se-á. Ou ainda não nos convencemos disso, ao lembrar do encantamento da união conjugal dos príncipes ingleses, Kate e William? A carruagem com cavalos brancos foi a imagem milenar da beleza de um conto de fadas. Pois, para quem tem alma de sentir, fadas existem. Como as bruxas.

Conheci um jovem que pensei fosse esquisito, estranho, silencioso, com aquele ar de singularidade que se não define. Universitário, de família abastada, ele é um apaixonado por cavalos. E se encantou com uma égua, querendo comprá-la mas sem saber onde abrigá-la. Foi socorrido por outro amigo, que tinha um sítio com caseiros. A égua poderia ficar lá. E fica. E quase diariamente o moço vai ver o animal lustroso, belo. A noiva o acompanha, também cativa da égua exuberante. Sonham em, depois de casados, comprar uma chácara, ter cavalos, cães, carneiros.

A novidade me chegou quando eles anunciaram o casamento, que será absolutamente íntimo. Eles farão, entre si mesmos, a cerimônia religiosa. E, para o civil, a realização de um sonho: compraram uma charrete velha, mandaram reformá-la, deixando-a toda bela e formoso. No casamento civil, o noivo irá levar sua bem-amada na charrete, com a égua do coração conduzindo-os ao encontro do que desejam ser o paraíso. Uma charrete e uma égua, pois, podem modernizar o conto de fadas feito de carruagens, pajens e cavalos brancos.

Ah! quase me esqueci do final. Após a cerimônia civil, terão a viagem de núpcias de uma semana. Transportados, até Anhembi, pela égua e a charrete. Uma história moderna. E bom dia.

Deixe uma resposta