Chuvas, tragédias e caos moral

São desabamentos, devastações, inundações, nevascas, deixando rastros de mortes e de desespero. Pessoas de fé simples dizem ser castigo de Deus. Os mais racionais falam de vingança da natureza, de afrontamento às leis naturais. Poucos, no entanto, atribuem essas tragédias, que se avolumam, à pior e mais palpável de todas as causas: o caos moral a que a humanidade se deixou levar. Pois a questão é, toda ela, de ordem moral, que vem da fundura dos séculos no íntimo da natureza humana, que forjou leis e ordem, que criou civilizações e que, desprezada e vilipendiada, fez desabar todos os princípios.

A lei e o direito, quando legítimos, são expressões magníficas de uma justiça plena. Não há lei decente sem a ordem moral justa que a justifique. Por isso, quando é injusta, a lei deve e pode ser enfrentada, para ser abolida. Quando justa, a lei obriga os homens a um comportamento legal que, primacialmente, tem fundamento moral. O simples “não pisar na grama”, além de determinação legal, é de ordem moral. Quando se fala – como muitos o fazem, especialmente políticos – na necessidade de se “fazer o bem”, está-se, na verdade, falando-se em “agir bem”.

O mundo está sendo vítima de uma infestação humana se tornando cada vez mais difícil prever como serão mantidos, cuidados e como haverão de sobreviver os quase sete bilhões de habitantes do Planeta. Ao mesmo tempo, a propaganda, o mercado, os meios de comunicação estimulam, cada vez mais, as populações ao sexo descontrolado, na confusão de liberdade e libertinagem, e à gula pantagruélica. Há, pois, uma desordem moral. Como é, também, moral a desordem que permite a destruição de paraísos ambientais, a invasão de áreas de preservação ambiental, a cupidez imobiliária, a vagabundagem de homens públicos que, em nome de votos e de cargos, fingem não ver depredações, instalações ilegais, apropriações indébitas de terras e de terrenos.

A natureza se vinga, sim. E não acredito que Deus castiga, pois ele construiu tudo em seis dias e resolveu descansar no sétimo. E está descansando até hoje. A causa, porém, das agressões à natureza, às leis naturais, à ordem harmônica das coisas, a causa está na desordem moral, no caos comportamental, na perda de princípios e de valores, no individualismo exacerbado e criminoso que tem sido a herança do neoliberalismo e da economia de mercado.

Chegamos ao ponto em que, numa falsa defesa de uma também falsa liberdade, permitimos tudo. Crianças, adolescentes podem tudo, já que a educação é permissiva e alienada, tanto da parte da escola quanto da família. Quando se vê, com naturalidade, alguém deixar o lixo nas calçadas, jogar latinhas de refrigerante ou de cerveja em praias e em beira de rios; quando se permitem desrespeitos constantes e repetitivos a toda a ordem legal, estamos diante de um descalabro moral. Mas a simples palavra moral dá arrepios e comichões nos interessados na licenciosidade, como se moral se referisse apenas à sexualidade das pessoas. Não é assim tão superficial. Moral é um sistema que, por consenso e por uma milenar lei natural, determina um complexo de vida e de convivência que abriga noções como o dever, a obrigação e princípios de conduta, objeto da ética.

A natureza se vinga quando as normas morais, quando a ética humana se descontrolam. E tudo começa com o que parece menos importante: pisar na grama, deixar a calçada suja, jogar o lixo nos bueiros, permitir que adolescentes façam sexo irresponsavelmente, estimular a gula nas lanchonetes. Quando se rompem os estribos morais do ser humano, é como soltar uma manada enlouquecida diante de uma natureza maior do que as tribos humanas. Na Antiguidade, diante das grandes tragédias, invocavam-se os deuses e prestavam-se-lhes homenagens. Para aplacar a ira e a vingança da natureza, só há um caminho para essa enlouquecida e triste humanidade: restabelecer a ordem legal justa, restabelecer a ordem moral dos povos. E bom dia.

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