Cidade dos insultos.

Valeu-me como alívio, lembro-me de já ter escrito sobre isso. Aliás, a respeito de que temas o escrevinhador não foi, ainda, levado a opinar? Na realidade, porém, já há algum tempo, uma estranha sensação de estar como andarilho solitário obrigava-me a um questionamento pessoal: estarei vendo fantasmas? Pois, pelo menos há mais de 15 anos, os meus são lamentos quase diários diante da perda coletiva de civilidade, daquilo que, antes, se chamava boas maneiras. É-me doloroso crer na vitória final da grosseria e da incivilidade. Pois a barbárie tem ditado regras, atropelando polidezes, cortesias, delicadezas, esteios da civilização.

Sentíamo-nos tolos – uns poucos, os vindos de outro tempo – diante de insuportáveis maneiras de ser e de estar, um mundo feito de grosserias. Aliviei-me, no entanto, por lamentos tão antigos. Pois passamos a estar, os tolos, em excepcional companhia: a dos alemães. Assustados com a ascensão da grosseria no país, governo e lideranças da Alemanha reagiram, criando escolas de boas maneiras, da velha etiqueta, reeducando crianças e jovens executivos. A má educação de tal forma minara os alicerces da pátria de Goethe e de Schiller, que o mundialmente famoso semanário “Der Spiegel” ironizou: “Bem-vindos à república dos insultos.”

Poderíamos, hoje, escrever sobre Piracicaba: “Bem-vindos à cidade dos insultos”. Ruas, salas de aulas, cinemas e teatros, locais públicos e até mesmo a simples calçada diante de nossas casas – e, desgraçadamente, também muitos lares – tonaram-se palco de grosserias, de agressões, de desrespeitos. O lixo nas ruas, ambulantes ilegais, abordagens nas esquinas, sons enlouquecedores – quanto já se protestou? A baixaria mundializou-se. Uma luz, porém, se acende, com a Alemanha, ainda outra vez, retomando valores que, ao lado da França, construíram o mundo civilizado, em séculos de reflexão em torno do que significava o cortês e o polido para a “kultur” alemã e a “civilité” francesa.

Espíritos desavisados e práticos podem considerar tolice as noções de “boas maneiras”, como se isso fossem, apenas, regras para um relacionamento em salões requintados. Não é. Está provado que a falta de polidez, a grosseria – sendo um desrespeito ao outro – tornam-se causa de infrações, conflitos e crimes. A Alemanha – onde insultos e gestos obscenos acontecem como aqui – catalogou os delitos originados nas grosserias: 165 mil cidadãos estavam sendo processados por infrações cometidas a partir de pequenas grosserias um gesto agressivo no trânsito, um insulto, a resposta do outro, a briga, a agressão; uma buzina estridente, um protesto, o confronto.

Não há como falar em educação formal nas escolas, se, antes, não houver as boas maneiras. E isso não é novidade. Há cerca de 500 anos, Erasmo de Rotterdam publicava o livro que mudou o mundo ocidental: “como educar uma criança”. São regras que valem ainda hoje: não por os pés nas mesas, não comer de boca aberta, não gritar. Mas o mundo globalizado dá de ombros: para quê boas maneiras, gentilezas, se é preciso vencer sempre, atropelar o outro, destruir o concorrente?

A Alemanha deu sinais de um mundo que se revê. Empresários aprendem a se relacionar afavelmente com as pessoas; crianças e jovens reeducam-se retomando a cortesia, a polidez, valores do mundo civilizado. Um dos programas televisivos de maior audiência naquele país chama-se “Maneiras Finas”, onde se fazem testes de comportamentos gentis, civilizados. Com toda certeza, nada igual a Ratinhos e Gugus.

Protestando contra a barbárie, sinto-me, agora, um tolo próximo dos alemães. E respiro. Bom dia.

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