Círculo perverso

Sei que minha opinião nada pode alterar, mas é meu dever opinar. Dever profissional e humano. O fato é que, se me perguntarem para onde vamos, qual a caminhada humana, não saberei responder. Ou diria que não vejo saídas nem soluções. E olhe bem, o eventual leitor, que tenho sido chamado por amigos e parentes de otimista. Alinho-me, porém, na posição adotada por Gramsci: “pessimista na razão, esperança no coração.”

Não sei, porém, para onde queremos ir. E, nessa minha vida de passarinho do relógio cuco – espio lá fora, volto rápido para o ninho – continuo assustado com o que vejo, ouço, percebo, sinto. Refiro-me, agora e em especial, a essa que me parece uma assustadora loucura de Natal. Pois saindo às ruas, num sábado e num domingo, não acreditei na fúria da multidão nas calçadas, os rostos contraídos, expressões de descontentamento e de raiva, entrando e saindo de lojas, comprando sem qualquer prazer, talvez nem mesmo sabendo por quê e para quê estavam comprando. Ora, pouco lá estou me lixando se foi sepultada a religiosidade do Natal. Mas não consigo entender – e entro em conflitos racionais e emocionais – essa obsessão e essa compulsão consumistas.

Ora, sei estarmos num tempo de vida em comunidade no qual tem muito mais valor e importância o Código de Defesa do Consumidor do que a carta constitucional do País. Permitimos o surgimento de uma sociedade em que direitos de consumidores são mais defendidos e atendidos do que direitos do cidadão. E isso é um terrível complicador, pois é como se o único direito e o único dever do cidadão estivessem vinculadoa ao consumo. Há um círculo vicioso e perverso: bombardeia-se a população para aumentar o consumo, pois se o povo não consumir não há produção e, se não houver produção, não há empregos. É uma lógica absurda e perversa, aumentando e criando necessidades, criando mais e mais despesas, o que obriga as pessoas a irem em busca de mais e mais rendimentos.

É o sistema, dizem alguns, confirmarão outros. E é mesmo. Só que não mais discutimos se é pérfido e decente o sistema ou se se trata de uma farsa violentadora da dignidade humana. Até as escolas falam muito mais em produção do que em educação. Nossas crianças e adolescentes estão sendo preparados para competir em exames vestibulares, em futuros empregos, em expectativas nem sempre inteligentes. Novamente, o círculo perverso: estudar para ser produtivo, para poder consumir, para aumentar a produção e consumir ainda mais.

As famílias chegarão, à antigamente comovedora noite de véspera de Natal, absolutamente esgotadas diante do estresse de compras, de preparações, de correrias, de lutas, de compras, afundadas em novas dívidas para o início do de um novo ano. Que começará como todos os outros mais recentes: mergulhado em cansaços, em dívidas, em frustrações, em uma depressiva sensação de inutilidade das coisas e, terrivelmente, da inutilidade da própria vida.

O sistema faliu, o modelo econômico fracassou, o erro universal foi trágico. A nova e alvissareira onda que surge é a da simplicidade, do pudor recuperado, do recato, do resguardo. Sair por aí desfilando com imensos carrões já é, em muitas partes do mundo, atitude e gesto de indecência e de vulgaridade. O exibicionismo, mais do que ridículo, se tornou grosseiro, condenável e insuportável. O consumismo dessa estupidez de um capitalismo impiedoso apenas continuará quando houver multidões de idiotas que se acreditam em revistas de moda e de luxos, em programas de tevê desatinados. O mundo já é outro. E nada tem a ver com essa loucura consumista que o escrevinhador viu nas ruas, no centro da cidade. E nada tem a ver, também, com fábricas de automóveis escandalosamente atentatórios à natureza e à ordem da frugalidade universal, como esta empresa que chegará a Piracicaba para atender a interesses de poucos contra os de muitos. O círculo perverso será rompido quando um primeiro elo se romper. Basta dizer não à cupidez dos apóstolos do consumismo. Bom dia

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