Cobranças, pais e filhos.

Ouvi uma adolescente queixar-se da mãe: “Você só sabe fazer cobranças.” E toda a rebeldia juvenil, na cor roxa da raiva, se lhe afluiu ao rosto. Por mais irritantes sejam, adolescentes ficam adoráveis quando roxos de raiva. Mas achei injusta a queixa. Pois, pelo que sei, os pais estão cobrando pouco. E já há muito tempo.

Uma das mais ricas experiências da vida – quando posso, conto-a – eu a tive em tempos inesquecíveis, participando de movimentos de leigos, com casais e jovens. Foram cerca de duas décadas que me valeram mil anos de aprendizado. No final daquela minha vivência – quando acompanhei a rápida transformação das linhas pastorais da Igreja – percebi as mudanças quase que abruptas na relação entre pais e filhos. Minha geração foi responsável, com teorias esquisitas e psicologismos sem sustentação.

Num daqueles encontros, uma adolescente me abordou, pedindo-me que a acompanhasse à capela. Percebendo dificuldades, acedi. A jovenzinha foi-se revelando entre lágrimas e soluços. Aos 16 anos, já fazia dois que mantinha relações sexuais com o namorado. Passavam fins de semana juntos. Os pais de ambos sabiam daquelas relações. E, para a garota, lá estava o problema, a sua angústia: os pais nada lhe diziam a respeito daquilo, se era legítimo ou não ter, àquela idade, uma vida sexual ativa e com os riscos conhecidos. Os pais não cobravam, essa a dor da menina, a da indiferença..

Em dado momento, ela me pediu a acompanhasse, ajoelhado, numa oração. Fiz, ao lado dela, a genuflexão. A menina ficou chorando diante do sacrário, choro sentido, como que de purificação e, também, de pedido de socorro. Então, surpreendeu-me, assustando-me: “Dê-me um tapa no rosto.” – falou. Fui pego desprevenido. Mas, em segundos, percebi a sua quase necessidade de punir-se. E, então, ela falou: “Não me lembro de, em toda a minha vida, meu pai ter-me dado um beijo ou um tapa.” O tapa e o beijo eram-lhe sinais de vida, a certeza de ela ser humana, de existir. Dei-lhe um tapinha no rosto, ela terminou o choro em meu ombro.

Ora, não há e nem houve pais que, dos filhos, não tivessem ouvido a queixa: “vocês só sabem cobrar.” Ouvi isso dos meus, ainda ouço algumas vezes. E eles têm razão: eu cobrei e ainda cobro. Pois é, talvez, o maior dos deveres dos pais, desde quando transmitiram, aos filhos, a ligação indissolúvel entre liberdade e responsabilidade. Se crianças e adolescentes não podem, civil e penalmente, responder por si mesmas, têm que ser orientadas, formadas e, também, cobradas. Não há liberdade ilimitada. Viver tem o seu preço que, algumas vezes, pode ser alto demais. Por isso, os filhos hão que saber da vida e do mundo, que exigem e que cobram sempre.

Nada, pois, há de mais tolo do que queixar-se de que pais cobram. E nada de mais terrível do que pais que não cobrem, ai dos que não o fazem. O mundo e a vida são cobranças permanentes. Daí, ao longo da caminhada, estarmos sempre prestando contas do que fazemos na vida social ou na vida familiar, como cidadãos e membros de comunidades, sociedades, grupos. Há cobranças em cada passo. Pagam-se preços. O professor cobra o aluno. Alunos cobram o professor. O patrão cobra o empregado. Empregado cobra o patrão. Até as igrejas cobram os devotos, prometendo os céus para os fiéis, os infernos para quem não obedecer. Que tolice é essa, pois, de filho queixar-de de cobrança de pais?

Deveria ser o contrário: filhos e pais dando graças. Uns por serem cobrados, outros por cobrarem. Assim, cresce o ser humano. Bom dia.

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