Coisa brava, bicho feio
Acontece que, nem sempre, o pessoal comenta. Mas homem que é homem – homem de verdade – esse tem medo de mulher. Medo de pelar-se, sei lá se ainda se usa a expressão “pelar-se de medo”. Pois esse tipo de homem – o de verdade – sabe que, com o perdão da palavra, mulher – nem toda, nem toda! – é bicho feio. E não o digo em beleza de corpo e alma, mas em problemas que inventa, raiva que provoca, questões de tentação, de virar a cabeça, essas coisas.
Na verdade, mulher é um mistério. Dos maiores que existem. Diz-se, até, que Deus não acreditou quando Adão lhe pediu uma companheira, pois pensava Adão fosse sua obra prima, inteligência perfeita. Uma companheira? Foi quando resolveu tirar-lhe da costela essa que seria o complicador de sua vida. Bobalhão, Adão não percebeu ter havido engano, troca, quem sabe? Pois Eva surgiu depois; antes dela, foi Lilith, a diaba. E, até hoje, homem não sabe, ao certo, quem lhe está ao lado, se Eva, se Lilith. Lembram-se da a serpente, a do pecado original? Pois é. Lilith casou-se com ela. Mas sempre retorna, armando confusão. Especialmente às sextas-feiras.
Sendo mistério, mulher é o que é, não poderia ser de outra forma. Por isso, apenas homem tolo diz entender de tão complexa criatura. Não se entende o impossível. Homem inteligente só se espanta. Pois mulher é que nem mula-sem-cabeça, cabra cega, bruxa, feiticeira, assombração: ninguém sabe o que são, mas existem. E como!
Tais coisas, lá estou, eu, a dizê-las até porque, na vida de um homem, há uma idade em que tanto faz como fez. E não é por se deixar de gostar disso ou daquilo, pois, com o tempo, ora se gosta, ora se desgosta, vai-se levando, faz-se o possível. Tenho um amigo mais sábio ou mais conformado que, já em idade avançada, passou a evitar certos assuntos. E se alguém lhe fala de maravilhas passadas, ele resmunga e suspira: “Essas coisas dão preguiça, não dão?” Para se ver: preguiça virou sinônimo de saudade.
Mas é bicho feio. No entanto, com a vida, descobre-se não ser, o diabo, tão feio como o pintam. Tudo é questão de jeito. Se viver é uma arte, viver com mulher é arte e meia. Há métodos e técnicas, aos milhares. Pois, da mesma forma como cada caso é um caso, cada mulher é uma mulher. E mais ainda: a mesma mulher é diferente a cada hora do dia. E piora no dia seguinte. E nos seguintes. Em resumo: não tem jeito. E jeito não há pelo fato de mulher ser como a Lua: ora mingua, ora cresce, ora enche, ora some. E, quando se pensa ter acabado, fica nova outra vez. Vá entender.
Convenci-me de ser impossível entender o mistério feminino há poucos anos, ao ouvir a palestra de uma doutora famosa, especialista nessas confusões de transgênicos, de células tronco. Encantei-me com ela, doçura de pessoa, meiga, suave mas firme. Mas uma luz – luz do macho da espécie em extinção – se me acendeu quando, antes da palestra, falando amenidades, ela nos esnobou: “Conversa de homem. Homens que se entendam.” Em seguida, sobre “je ne sais quoi”, disparou: “Coisa de branco. Brancos que se entendam.”
Calei o bico, truque essencial na arte de ter paz com mulher. E ela se apresentou: “Sou mulher, negra e feminista. Minha visão de mundo é de mulher, negra e feminista.” E falou, falou que falou. Afundei na cadeira, com medo de apanhar. No final, não sobrou homem algum na história. Até Aristóteles e Platão levaram pancada: “Visões machistas de filosofia.”
Amedrontado, permaneci em silêncio doído, minha solidão no universo. Senti-me um lixo. Quê fazer, se sou apenas um mísero homem, desgraçadamente heterossexual, macho, branco, com teto? Coisa brava, problema insolúvel, bicho feio. Só me resta sair por aí, proclamando meu infortúnio: “Tenham misericórdia de mim: sou homem, caucasiano branco, com teto, heterossexual e machista.” Bom dia.