Com santa não se brinca

picture (61)Eu diria que até previsão de santo anda falhando. Mas não digo. Pois, se eu o fizesse, viria alguém filosofar a respeito do tempo, da eternidade. E alegaria que – por não haver tempo para Deus operar milagres – tudo pode, ainda, acontecer. Até aquela profecia de Dom Bosco sobre a Terra Prometida que Juscelino – com seu jeito mineiro – burilou para justificar Brasília.

Para quem não sabe, ou não se lembra, foi o seguinte: Dom Bosco era dado a ter visões. E, em 1883, teve uma muito especial. Que, arrebatado por anjos, viajou por sobre cordilheiras e viu, entre os paralelos 15º e 20º, um rio muito largo que nascia de um grande lago. Então, uma voz lhe disse que, naquele lugar, surgiria uma grande civilização, a Terra Prometida, “onde correrá leite e mel.”

Espertíssimo, Juscelino garantiu Brasília estar exatamente no lugar da visão de Dom Bosco e que, no lugar árido, o Plano Piloto previra um grande lago artificial. E fez o lago e construiu Brasília. Que se tornou, até agora, terra prometida apenas para políticos. Onde leite e mel correm apenas para eles. Mas quem sabe? Pois, quanto a milagres, me acautelo. Dizem que, com Lula, já está aparecendo leite e mel para o povo.

Não há, porém, como negar: a visão de Dom Bosco, por enquanto, deu poucos resultados. Ou alguém imaginaria que, em Brasília, se roubasse até dinheiro de santa? Que se assaltem cofres públicos, que haja negociatas, propinas, desfalques, corrupção deslavada, dinheiro em cueca, isso já não é mais sequer notícia, de tão banal e corriqueiro. Mas roubar dinheiro de santa? Aconteceu e pouca gente se lembra.

Foi, acho que em 2004. No Lago Sul – a região mais nobre da cidade – moradores fizeram uma novena com orações e rezas diante da imagem de Nossa Senhora Peregrina, levada de casa em casa. Com a imagem, ia, também, um cofrinho onde os fiéis depositavam um dinheirinho para obras, sei lá, de caridade ou outros fins. Eis senão quando, ao se abrir o cofrinho na casa de certa madama, se descobriu que, de uma peregrinação a outra, alguém roubara o dinheiro da santa. Em Brasília, nem o dinheiro de Nossa Senhora é perdoado. Depois disso, Brasília precisou suportar a ira dos céus. Mexer com Nossa Senhora é encrenca na certa.

Ora, meu cérebro tem dois hemisférios conflitantes entre si: num deles, fica a mente suja; noutro, a mente limpa. A mente suja avaliou e julgou: algum político roubou a santa. Mas a mente limpa lembrou-me do Monsenhor Caran, santo homem, meu ex-professor na PUC de Campinas. Num almoço que tivemos, ele disse maravilhas de uma Nossa Senhora – que eu desconhecia – arrebatadora de novos devotos: a Desatadora de Nós. Num país com tantos nós…

Minha mente suja maquinou: para recuperar o dinheirinho de Nossa Senhora Peregrina e dos brasileiros, por que não invocar a Desatadora de Nós para reforçar a de Aparecida? Vejam bem: nos Estados Unidos, um rabino – propagador da cabala judaica – garantiu a existência de 77 nomes de Deus para se invocar a cada necessidade. Até Madona aderiu. Minha mente suja pensou no Olimpo pagão, um deus para cada ocasião. Mas a mente limpa se voltou aos santos católicos, uns dez santos para cada dia do ano. E para a ampla rede de proteção de Nossa Senhora, conforme a necessidade: Peregrina, do Socorro, do Bom Parto, Desatadora de Nós, das Dores, dos Prazeres, das Graças, da Guia, da Angústia. Tem até uma do Doce Beijo. E a do Sim, do Sorriso e da Ternura.

E tem a de Guadalupe que – aqui entre nós – me abalou as estruturas racionais. Boquiabri, na basílica dela em Ciudad do México.. Vendo a prova, enfiei a viola da razão no saco. O mistério existe. Bom dia.

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