“Como era gostoso o meu francês”
Nunca me senti tão ignorante quanto atualmente, à leitura de jornais e revistas. Já não estou entendendo quase mais nada e descobri precisar de dicionário inglês-português para ler a atualidade brasileira. Nossa língua – “a última flor do Lácio, inculta e bela” – está desaparecendo, tanto pela nova linguagem da internet quanto pelo anglicismo dominante.
Lembro-me de quando nos chamávamos “República dos Estados Unidos do Brasil”. E, desde criança, comecei a refletir e a querer entender: Estados Unidos do Brasil era o mesmo que Estados Unidos da América? Não entendia, ainda, que povos são dominados também pelo desleixo com a própria língua-pátria. Outra coisa que me deixava aturdido e, atualmente, apenas me irrita: por que os Estados Unidos se dizem América? Por que não são mais honestos e humildes e se dizem “Estados Unidos da América do Norte”. E por quê chamamos sua gente de “norte-americanos” ou simplesmente “americanos”, se México e Canadá também são norte-americanos? Ora, eles são estadunidenses. E ponto final.
Não se trata, não, de idiossincrasia. Mas de inconformação. A palavra “mídia”, por exemplo, recuso-me a usá-la, pois se trata de uma estupidez – ou ignorância – brasileira. A palavra é latina, o plural de “medium,i”, significando “meio”. Há, inclusive, uma expressão célebre: “rem in medio ponere.”, referindo-se a “colocar um assunto ao alcance de todos.” Medium, portanto, é o meio. Media, os meios. A palavra popularizou-se com o famoso livro de MacLuhan, “Mass Media”, veículos, meios de massa. O estadunidense pronunciou “Mass Midia”. E começamos a imitá-los, eternos e persistentes macaquinhos de imitação.
Penso comigo que, talvez, nossos veículos tiveram receio de adotar a palavra latina “media”, para não se confundir com “fazer média”, algo que tem ocorrido formidavelmente na área jornalística. Pode ser, mas sei lá. O fato é que quase não mais estou conseguindo ler ou ouvir noticiários dos nossos nobilíssimos meios de comunicação. Sinto-me nos Estados Unidos da América do Norte: “commodities, spread, delivery, download, brunch, breack, for sale, site, fan page”, e o diabo a quatro.
É óbvio que o intercâmbio lingüístico é enriquecedor. O samba, a cachaça já se tornam palavras universais. Mas por quê não aportuguesamos o que importamos? E penso em como era gostoso o meu francês, a língua francesa que formou nossa cultura até a II Guerra Mundial. Fomos aportuguesando: “abat-jour”, tornou-se abajur; “matinée”, passou a ser matinê, se é que isso ainda existe. Ora, por que “site” já não é escrito como saite?
Na verdade, porém, isso é implicância de quem não mais se sente neste tempo. Nos meus ouvidos, ainda agora, estão gravadas palavras e expressões do latim e do francês. Na infância, no Externato São José, chamávamos a freira superiora de “ma mère”. E ela era uma bruxa. E o “rendez vous”, que, sabiamente, transformamos em randevu? E fazer as refeições “à francesa”, com respeito e requintes? Acreditem: era muito mais reconfortante do que comer hambúrguer ou levar sanduíche para diante da televisão.
Acho que, em última hipótese, estou saudoso da “finesse”, do requinte que formavam uma cultura e criavam hábitos mais gentis. É-me, pois, insuportável o “meu inglês”. Mas como era gostoso o meu francês! Bom dia.
Valeu, Cecílio! Era bom mesmo o nosso francês. Até o “ma mère” que não era tão “mère” assim, deixou saudades.