Computador e traição

ComputadorComo sou homem que passou a acreditar em todas as coisas, sou obrigado a crer, também, na sabedoria dos ditos populares. Por exemplo: “quem nasceu para tostão nunca chega a milhão”. Ou “traição com traição se paga”. E tem, também, aqueles “o mundo dá voltas”. Pois é. Fui, lenta e capciosamente, sendo seduzido por familiares que, escandalizados com o que diziam ser minha maneira artesanal de escrever uma velha máquina, comigo há mais de 40 anos – ficaram assoprando em meus ouvidos e em minha cabeça: “o computador, o computador”.

Certa vez, percebi que estava sendo minado em minhas convicções e fidelidade. E, então, me vi olhando para o computador, passando a mão leve, flertando com ele. Isso durou uns dois meses. Daí, pedi que me dessem alguma informação sobre aquela máquina que me parecia diabólica. Fiquei ouvindo, apertei uma tecla, aprendi a ligá-lo, assustei-me com os seus ruídos, suas imagens. “Esse troço vai voar!” – falei, enquanto zombavam de mim.

Finalmente, chegou o dia em que me sentei diante dele, comecei a mexer em teclas e mais teclas, sem nada entender daqueles códigos que, teimosa e esnobemente, eram apresentados em Inglês. Para encurtar: aprendi o básico e eis-me lá, no período das festas natalinas, sentado diante daquela máquina idiota, tentando escrever. Primeiro fiz cópias. Depois, arrisquei a escrever diretamente. Confesso que até me entusiasmei, um desafio que eu, pelo menos era o que pensava, estava vencendo.

A pouco e pouco, adquiri confiança. E, então, cometi a traição inominável, imperdoável, que acabou sendo castigada: fiquei exatos 10 dias sem manter intimidades com a minha velha, querida e amada máquina de escrever.

Deus põe, Deus dispõe. Entusiasmado, escrevi um monte de artigos, aqui para a “Tribuna”, para o “Correio Popular” de Campinas, para “A Província”, comecei até a jogar, na tal da memória do computador, os primeiros passos de um novo livro que comecei a escrever. Ai de mim! Estava lá tudo gravado, corrigido, bonitinho, uma aventura em minha vida, uma alegria infantil, uma conquista, uma vitória, um êxito.

Finalmente – exultavam – eu estava entrando na época da modernidade. Maldita modernidade! Pois fui pedir ao computador que me devolvesse tudo que tinha escrito e nada aconteceu. Sei lá que maldita tecla eu acionei que apagou tudo, inutilizou o que saiu da minha cabeça e da minha alma.

Minha traição foi punida. Cabisbaixo e humilde, retornei à velha máquina.

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