Construção cívica

picture (13)Participei de uma solenidade cívica em homenagem à Semana da Pátria, antecipando o 7 de Setembro. Emocionei-me. Como me emocionam o Hino Nacional ecoando em todos os quadrantes do país, o povo nas arquibancadas, atletas perfilados, a bandeira tremulando, rostos pintados, lábios cantando – é uma festa. Não sei se cívica, mas festa. Brasil volta a ser um grito capaz de unificar multidões. Grita-se Brasil como se fala da pessoa amada. No tremor da voz, na emoção, misturam-se, pelo menos, intuições de civismo, de pátria, de berço, de solo, de destino.

Se crianças e jovens perguntam, hoje, a respeito da “independência do Brasil”, confesso não saber o que lhes explicam pais e professores. A minha geração não conseguiu entendê-la com clareza. Por isso, desfiles e comemorações – por belos e garbosos fossem – eram mais festivos do que cívicos. Se havia explicações patrióticas oficiais, faltava fervor para incendiar corações. O povo sempre foi mais espectador do que participante ao longo da história brasileira. Como se fosse apenas um detalhe, o povo é o último a saber.

Não há civismo sem uma história anterior que o justifique. Na França, 14 de julho é data por assim dizer religiosa, tendo a queda da Bastilha, em 1789, como símbolo da vitória da liberdade. Nos Estados Unidos, o 4 de julho é comemorado com as entranhas da alma, na sacralidade que envolveu, desde 1776, a declaração da independência, vitória sobre os ingleses. O 7 de setembro, no Brasil, é, ainda, imerso em nebulosas, como quase todas as datas e comemorações ditas nacionais. O significado de nacionalidade – ainda que exista o sentimento ou a intuição – permanece difuso.

Sem povo, construções nacionais são ficções. Datas e comemorações impostas verticalmente, de cima para baixo, por decreto, soam e ressoam artificiais, vazias, mesmo que significativas e verdadeiras. Assemelham-se a um teatro onde poucos intérpretes desempenham peças escritas por também poucos autores, diante de platéias apáticas. O que responderiam nossas crianças, adolescentes, se mais seriamente consultados sobre o 7 de setembro, a independência brasileira? Diante de versões confusas, às vezes forjadas, talvez até mesmo de chacotas, há motivos para crer que dêem de ombros, que também riam ou que se enfadem. Mas vibram ao grito de Brasil, ao som do hino nacional, diante da bandeira tremulando nos ares. Há um tremor cívico no povo. Mesmo sem reconhecer-se em muito do passado, começa a zelar pelo que constrói agora. E isso é alentador.

A história brasileira foi muito mais feita de saques do que de conquistas. Há, ainda, saqueadores. Foram tantas as dores e ficções criadas que ainda se duvida até da origem, soando artificial quase todo o passado: abolição da escravatura, proclamação da República, a inconfidência mineira, “farroupilhas”. E heróis do povo, esquecidos: Antônio Conselheiro, Padre Cícero, Frei Caneca, José de Anchieta, entre outros. Quem foram, por que não os respeitamos? E o nosso imortal ituano de Piracicaba, Prudente de Moraes, o “Santo Varão da República, como o chamou José do Patrocínio?

Na realidade, é como se tivéssemos medo de civismo. Neste 7 de setembro, o povo que grita o nome Brasil – que canta o hino nacional, que agita a bandeira – é um povo que pode não saber de seu passado. Mas é um povo que luta, que se consolida, que busca, que se supera de violentações e de abusos. Que, apesar da descrença política, está construindo um país. Bom dia. (Ilustração: Araken Martins.)

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