Covardes e medrosos

Euclydes da Cunha diria que “o corintiano é, antes de tudo, um covarde e um medroso.” Somos fortes, sim, durante os jogos e até depois, seja na derrota ou na vitória. Estamos aí para suportar tudo, amar e permanecer fiel seja na saúde ou na doença, na alegria ou na tristeza. Mas, antes dos jogos, somos patifes, medrosos e covardes. Pelo menos, digo-o por mim.

Pois já estou tremendo, com sintomas de dor de barriga às vésperas do jogo contra os egípcios. Deuses de todos os céus, quando imaginaríamos jogar contra um time egípcio, daquela terra de mistérios, de deuses que são um misto humanos e de animais, terra de faraós, de esfinges, de múmias? Estou com suores frios e, coincidindo com um dia de consulta a meu médico, ele – sem saber de minha aflição e de minha covardia – sugeriu-me fazer uma série de exames, de sangue, de urina. Quis contestá-lo, alegando ser fraqueza psicossomática, paúra de pré-jogo, mas fiquei sem coragem, ao vê-lo tão generoso e simpático, um querido e antigo médico japonês. Só consegui dizer: “Banzai, Curinthia”. E ele me deu um sorriso amarelo, de um amarelo que nada tem a ver com a cor japonesa, mas amarelo de são-paulino, de palmeirense, sei lá de que inimigo.

Não tenho, em casa, nenhuma imagem de São Jorge e me arrependo dessa minha displicência, dessa imprudência que nenhum corintiano deveria cometer. Fico pensando no adversário que irá a campo protegido por aqueles deuses esquisitos e terríveis: Osíris, Ísis, o terrível Hórus – deus dos céus, cujos olhos são o Sol e a Lua, numa cabeça sei lá se de águia, de gavião – e tremo. Será que a Gaviões da Fiel – bando de maloqueiros, de malucos em liberdade condicional – terá forças espirituais para enfrentar o Hórus egípcio? E o grito – “Vai, Curintia!” – conseguirá espantar Rá, o Deus-Sol, deus dos deuses?

Estou com medo, acovardado. E o jogo será pela manhã, horário em que me sinto abobalhado, quando minha cabeça ainda não funciona, pois pertenço à fraternidade das corujas, que ficam acordadas à noite. Estarei, pois, paralisado de corpo e de espírito, o medo nas entranhas, o torpor no cérebro. Já tenho pesadelos pré-jogos e vejo Emerson perdendo pênaltis, o tal do Guerrero chutando o ar em vez da bola, Danilo dormindo em campo. A barriga treme e os suores frios aumentam.

Por que contra os egípcios, por quê? A minha esperança é a de que o time deles confunda o Douglas com uma esfinge, frieza de esfinge. E fiquem com medo daquela postura que, para mim, é moleza mesmo. Mas covarde e medroso, corintiano sou. E, portanto, homem de fé. Não tenho São Jorge mas há, em minha casa, uma ou outra garrafa de cachaça e muitas velas. Vou botar copinhos de cachaça na varanda, acender velas, rezar o terço e convocar Exu, invocar todos os santos católicos e as divindades do candomblé. E manter viva a minha esperança de que Jesus Cristo, se vivo estivesse em carne e osso, estaria entre a torcida corintiana, membro da Gaviões da Fiel, ele que viveu e morreu por amor aos mais pobres, ao povo sofrido, que somos nós, a nação corintiana.

Invadimos o Japão, o mundo está assustado com tanta maluquice. Mas só corintiano sabe o que é a dor de barriga de véspera de jogo. Por que tanto sofrimento? O pior é que a resposta eu já a sei: um gol, um golzinho só, uma só vitória compensa todas as dores, angústias, temores, zombarias, agonias.

Mesmo acovardado, um sussurro me escapa do peito: “Vai, Curinthia. É nóis!” Bom dia.

1 comentário

  1. Luiz Thomazi em 12/12/2012 às 14:37

    Então, Cecílio, parabéns pelo 1 x 0 profético, esse um golzinho só que você queria…
    Com meu melhor sorriso tricolor, mas amarelinho…

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