Crepúsculos

Basta querer. E, então, ver-se-á o crepúsculo que acontece todos os dias. E a tristeza que traz. Ou triste não é, cada entardecer? Seria desonesto negá-lo, pois é uma das milenares angústias humanas, esse conviver com o pôr-do-sol, com sombras que caem. E com a pergunta que, acovardados, temos fazer a nós mesmos: “E se o sol não nascer amanhã?”

Reis e rainhas, presidentes e tiranos, religiosos e ateus, crentes e descrentes, intelectuais e analfabetos, doutores e ignorantes, todos nós – quando a noite cai e nos chega a hora do recolhimento – carregamos a indagação e o medo milenares: “E se o sol não nascer amanhã?” Pois, então, seria a noite eterna, o lugar-algum, o vagar por sombras, almas penadas, a escuridão onde o desconhecido se esconde. Se “o sol não nascer amanhã”, o mundo e a vida serão o lugar dos lobos e dos lobisomens, dos assaltantes e dos bandidos, dos demônios que “agem nas sombras”, pois as divindades agem à luz. O da noite e do dia, da escuridão e da luz é nosso inferno cotidiano. Mesmo que não o percebamos.

Esperar o sol surgir, acreditar na luz após sombras e a noite longa – eis, talvez, o símbolo mais vivo da esperança humana. Pois somos incapazes de viver e sobreviver apenas diante da realidade. O real mata a alegria de viver. E, por isso, racionalistas acabam à margem da filosofia humana, que busca, antes de mais nada, a esperança, essa fantasia diante do real. Mas o que é o real? E o “penso, logo existo”? Pedras existem, loucos existem, pores-de-sol existem – sem pensar e sem filosofia. Há, talvez, outra resposta: “sonho, logo existo”. E não há como sonhar sem a esperança, o “sol que nasce amanhã”.

Tenho a incapacidade da coerência e, por isso, sei gente que impõe regras, as próprias. O homem coerente é um suicida. Há mil caminhos. E nenhum. Ora, não é o sol que nasce, nem o dia que amanhece, nem a noite que cai. É a Terra dentro de um sistema, no qual, girando, vê noite e dia, Primavera e Verão, Outono e Inverno. Pergunte-se a Deus como criaram-se as maravilhas. E os horrores. Temporais, vulcões, maremotos – isso é parte do sistema. Matas queimadas, rios poluídos, matanças de tribos, genocídios, preconceitos – isso é coisa de um bicho especial, o homem. Que pensei fosse, realmente, o senhor do universo. Mas desisti.

Os sinais são de sombras. Há um crepúsculo no mundo, em todo o mundo: nos bairros periféricos, no conflito entre etnias, na maldita insensibilidade diante da fome alheia, o crepúsculo dos que, diante da noite sem fim, pedem socorro e dos que têm medo do anoitecer.

Receoso de arrogâncias, não posso negar coisas que já vi. Do absurdo do ser humano. Vi um amigo meu – um dos homens mais poderosos do país – render-se ao medo enlouquecedor de seu crepúsculo. Com todo seu poder e fortuna, ele passou a acreditar que filhos e netos sofreriam de fome e de frio. A noite caíra sobre ele e o apavorara. Não acreditando em que o sol voltasse a nascer, ele deu-se um fim a si mesmo. Num Domingo de Páscoa.

Um dos meus últimos compromissos com o jornalismo é também esse: dizer do crepúsculo que chegou. Provocamos o fim de um tempo. O sol não nasce, nem morre. Andamos sob luzes e sombras. Viver é saber estar nas cautelas do crepúsculo e no esplendor de cada amanhecer. Não soubemos fazê-lo. Bom dia. (Ilustração: Araken Martins.)

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