Crianças engaioladas

picture (60)Há a bonita historieta do passarinho que, cativo na gaiola, pedia para ser libertado. O dono provia-o de água e alpiste, protegia-o do sol e da chuva e do sereno. Mas o passarinho queria a liberdade, sair, voar. Finalmente, o homem abriu a gaiola e deixou-o entregue à sua própria liberdade, ao seu direito e à vontade de fazer uso dela. Conta a historieta que, depois de um tempo, o passarinho não sabia mais o que fazer da sua própria liberdade, amedrontado de enfrentar aves maiores, cansado de brigar pelo alimento. Ele descobrira que, tornando-se livre, renunciara à segurança.

A liberdade cobra seu preço. Por mais cristalino seja esse direito humano, não é dom gratuito. Livre, o homem responde. Logo, dá resposta. Portanto, faz-se responsável. O passarinho não conseguiu responder por si mesmo, a liberdade pesando-lhe, despreparado para exercê-la. E retornou à gaiola, cuja portinhola o dono passou a deixar aberta: o pássaro haveria de ir-se quando, amadurecido, soubesse responder pela liberdade. Mais do que isso: com a segurança de ter um lugar de voltar.

Mais ou menos dessa forma tem ocorrido com presidiários quando – saindo das prisões para as tormentosas ruas das cidades – descobrem que as celas – com pão, água e uma enxerga – são mais seguras do que os espaços públicos. É outra tragédia de nossos dias: a liberdade tornando-se um peso; a prisão, um alívio. E não é, de certa maneira, o que acontece conosco em relação às nossas casas, aprisionados nelas, mas seguros?

Numa roda de amigos, pais conversavam a respeito de filhos adolescentes, do conflito cada vez mais angustiante entre deixá-los irem-se para a vida e segurá-los em redomas de cristal. Se permanecerem na segurança do lar, não crescerão; se lá se forem para o mundo, podem ser vítimas dos predadores, como o passarinho da historieta. Mas quem falou que viver é navegar em lago plácido? Viver é perigoso. O novo, também.

A perplexidade e os receios se repetem num mundo novo, de tecnologias assombrosas, de mudanças drásticas, de rompimentos e de rupturas. Desde a descoberta da roda tem sido assim. Ao criar a primeira carriola, o homem venceu espaços com mais facilidade e ganhou tempo. Pensou-se fosse o fim do mundo, pois apenas os deuses poderiam ter asas nos pés. Com a liberdade de ir-se com a roda, o homem respondeu pelo uso dela.

O novo amedronta. Diante do mar, as pessoas acreditavam que monstros e demônios sairiam de suas profundezas. E, então, o navegante ousou, venceu distâncias, conquistou continentes. E, em vez de demônios e monstros, trouxe belezas aos que ficaram na praia. A globalização existe desde quando os povos começaram a trocar mercadorias: ouro por seda, açúcar por trigo, macarrão por papel, pólvora por ouro. O veneziano falou chinês; o chinês aprendeu espanhol. Gerações futuras irão de rir-se de nossos temores, como ainda rimos das que nos antecederam. O resolvido hoje foi problema ontem.

Eis-nos, ainda, diante do novo que amedronta. Na gaiola, os pássaros querem voar, os donos hesitam. Mas, no vôo, ninguém voa com as asas do outro. Então, que eles voem até onde conseguirem. Resta-nos deixar abertas as gaiolas, aguardando o retorno. Bom dia.

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