Crucifixo e obsessão

Quanto mais se vêem obsessões e tolices de fanáticos, mais se é tentado a acreditar que, realmente, há um projeto para a construção de um mundo uniforme, sem singularidades, de governo único, língua e moeda únicas, um só exército, uma só religião, como se denuncia ser ambição do chamado Clube Bilderberg. Há um livro perturbador, a que já me referi, revelando os planos de manipulação da vontade dos povos, controlando o comportamento coletivo e individual. Pode parecer teoria conspiratória, mas os fatos, a cada dia que passa, comprovam pelo menos o surgimento, aqui e acolá, do ovo da serpente.

A proibição de crucifixos, imposta pela Corte Européia, em salas de aula da Itália pode parecer medida com fundamento democrático. Mas é apenas tola ou perigosamente preparatória para uma manipulação mais ampla. Ora, não se trata desta ou daquela religião, mas de uma cultura milenar que marca os povos do Ocidente, que se orgulham de autodenominarem cristãos e ocidentais. É uma civilização arraigada em povos e nações.

Não há vida sem símbolos, sem significados e significantes. A cruz, muito antes de ser símbolo cristão, tem um significado ancestral que marcou culturas, povos, civilizações. Encontraram-se sinais da cruz na mais alta Antiguidade, em Creta, na China, no Egito. E é ela, a cruz, o terceiro dos quatro símbolos fundamentais, com : o centro, o círculo e o quadrado. Portanto, é símbolo atávico que pode ser visto, também, como a árvore da vida.

A estupidez de se pedir a retirada da cruz de escolas, de estabelecimentos públicos, das salas do Judiciário não pode ser vista ou entendida como reação democrática, de laicidade, de ênfase na separação entre igrejas e Estado. Na verdade, não passa de estupidez, de tolice, pois todos os povos têm símbolos que refletem sua cultura, sua história, uma civilização, referências. Nessa miopia sem sentido, haverá quem pretenda ir aos tribunais para as igrejas não exibirem seus símbolos exteriores. E terão que ser reformadas ou destruídas igrejas cristãs, mesquitas, sinagogas, templos. O dólar terá que ser banido, a menos que se tire, da nota, a referência a Deus. E muçulmanos não poderão mais sair às ruas, freqüentar lugares públicos, a menos que se dispam de suas vestes, símbolos de religiosidade, de fé e de crença. E a Cruz Vermelha, terá que mudar, também, a sua marca?

A cruz está visceralmente ligada à história humana, sendo, por si mesma, a mais rica e universal das linguagens. No passado distante, em todos os países ocidentais, quando o caminhante se via perdido nas estradas, bastava-lhe ver uma cruz, no alto de uma capela ou à beira do caminho, para saber que haveria pessoas ou comunidades que poderiam socorrê-lo. A própria encruzilhada, nos caminhos e na vida, tem o sentido dessa orientação diante dos quatro pontos cardeais e, portanto, também na direção de vida que, em dado momento, alguém se verá obrigado a tomar.

Desgraçadamente, em vez de valorizarmos o que o ser humano tem de sagrado, independentemente de sua religião, estamos tentando construir um mundo em que a única linguagem válida é a dos símbolos do dinheiro, do poder, da força. O poder simbólico, porém, da cruz é de tal forma imensurável que aboli-la não passa de um sonho louco, de delírio de tolos, de estupidez de quem vive ou quer viver sem valores, sem referenciais, sem a presença de pelo menos algo que lhe lembre do divino, do sagrado, do transcendental.

Foi a tradição cristã que enriqueceu, de maneira espantosa, o simbolismo da cruz, conseguindo estabelecer, na imagem, uma síntese de toda a chamada história da salvação. Em todo o mundo ocidental, há imagens da cruz, celebram-se festas da cruz, vivem-se sinais da cruz, há posturas reverenciais diante da cruz. A simbólica da cruz nada tem de absoluto, mas ela evoca milênios da busca humana de entender a misteriosa relação entre finito e infinito, entre sagrado e profano. A Corte Européia avalizou uma estupidez que não lhe traz mérito algum. Pelo contrário, estabelece um momento ridículo da racionalidade humana marcada por um legalismo que, em vez de defender o plural, insiste em sua alucinada pretensão de criar manadas do pensamento único. Bom dia.

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