Crueldade das fotografias

O texto foi publicado em O Diário em 5 de setembro de 1979. E depois selecionado para o livro Bom Dia – Crônicas de Autoexílio e Prisão, lançado em 2014.

Na verdade, pouco existe – pelo menos para mim – de tão cruel quanto à fotografia. É a marca, a prova, a confirmação da vida e do tempo. O dia a dia não nos permite avaliar quanto mudamos ou quanto mudam as pessoas. As fotos são a vingança do tempo. Ou para destilar vaidades ou para alimentar lembranças esquecidas.

As crianças descobriram um velho baú e, de repente, vi, em fotos e recortes de jornais, em álbuns e pedaços de papeis, como que a história de quase 30 anos. Como é incrível e cruel a velocidade da vida, se ela é tão curta e incontável nas horas, nos meses, nos anos que passam! Penso ser, isso, partes da grande crueldade da vida, nesse paradoxo de ser tão maravilhosa e fascinante e, ao mesmo tempo, tão curta. Tão rápida, tão passageira. Confesso já de longe a minha inconformação com o tempo que se perde, com horas inúteis. Agora, no remexer velhos álbuns, convenço-me de que uma das maiores insensatezes humanas está em deixar a vida escorrer, esvaziar-se, ir-se embora como água que corre da torneira, gota que pinga do telhado.

Não se pode e nem se deve viver do passado, que são páginas lidas e relidas da história de cada um. Mas é absolutamente impossível prever o minuto que virá em seguida à noite. E a dolorosa verdade é que ficamos feitos pêndulos, oscilando entre o passado, que não retorna, e tentando preparar um futuro imprevisível e que nem pode acontecer. Enquanto isso, o tempo caminha. Ou somos nós que caminhamos por ele? E o presente se perde, o dia de hoje, o agora, o minuto presente – estes não são aproveitados, como se nos déssemos ao luxo de perder a essência da própria vida que está no exato momento em que a vivemos. O homem previdente e cauteloso é sábio. Mas é absurdamente tolo o que apenas joga com o futuro. Tão tolo como aquele que apenas vive o passado. As fotografias — que revi depois de tantos anos – as cartas que reli, mostraram-me amigos que morreram, outros que deixaram de ser amigos, alguns que nunca mais vi e muitos que, ainda, permanecem amigos. Fico com a impressão de que os 20 ou 30 anos registrados em álbuns fotográficos representam séculos, tantas as histórias que encerram, tantas as recordações que despertam.

As fotografias são, na verdade, cruéis. Testemunham todas as mudanças e, ao mesmo tempo, fazem recordar de momentos felizes e de outros totalmente amargos. De mesma forma como não podemos reter os felizes e alegres, é-nos impossível evitar os dolorosos. Pois todos passam. E não retornam. Que grandes tolos somos nós que pretendemos ser donos do mundo, reis de nós mesmos, e nem sequer podemos impedir que os fios de cabelo deixem de cair Ou de embranquecer. A nossa liberdade e o nosso poder são tão pequeninos que nem a nós mesmos conseguimos comandar, dirigir. O tempo nivela, marca-nos, humilha-nos, revela toda a dimensão de nossa fragilidade.

Acabo por concluir haver um único homem sábio: o que não briga com a vida. E a maior — para não dizer a única das sabedorias – está simplesmente em saber viver. E tão fácil, mas como a tornamos difícil! E bom dia.

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