Cuecas moderninhas

Esse texto foi publicado em 19 de setembro de 1979 em O Diário. E depois selecionado para o livro Bom Dia: Crônicas de Autoexílio e Prisão, lançado em 2014

Nunca fui de entrar em lojas, nem sequer para comprar um prosaico par de meias. Agora, no entanto, as circunstâncias são outras. Se não faço minhas compras, ninguém as faz por mim. E fui precisar justamente de cuecas! Armei-me de coragem, entrei na primeira loja que vi, fiquei aguardando ser atendido pelo balconista. O rapaz estava ocupado e, para meu desconforto, duas mocinhas estavam a minha disposição para me atender. Fiquei constrangido, sei lá porque. Acho até que tinha razão. Cuecas, afinal de contas, fazem parte de certos assuntos íntimos. Ou não fazem mais?

Só sei que não houve jeito: as duas mocinhas insistiram em me atender. Comecei a suar quando uma delas perguntou: “Grandes ou médias?” Lá vou eu saber? Olharam-me, examinaram-me a anatomia e discutiram entre si. “Para ele, devem ser médias”. (Acho que nunca senti tanta falta de minha mulher). Solícitas, naturais, prestativas, as duas mocinhas me bombardeavam com suas perguntas. “Que marca o senhor usa?” “Que cor prefere?” Ora, que fossem aos diabos! Senti-me desprotegido, suando, certamente desajeitado, e elas me perguntavam sobre marcas e cores? Lembrei-me – a força da propaganda – logo de Zorba. “Zorba”, falei, tímido. “E a cor?”, insistia a moça. Qualquer cor, bolas, quem iria se preocupar com a cor da minha cueca? Comecei a entrar em pânico quando – ainda mais solícita – uma das mocinhas sugeriu: “Nós temos umas cuecas modernas, por que o senhor não leva algumas?”

Naquelas alturas, eu já me maldizia por ter entrado na loja. E, estranhamente, eu me sentia nu, pelado. Concordei, rápido, sem sequer me importar com preço, marca, cor, qualidade, o diabo! Queria ir-me embora. Sorrindo, a mocinha fez o pacote, conversando comigo, dizendo que eu iria gostar das cuecas, que eram confortáveis, que estavam sendo muito procuradas aquelas cuecas. Não vou contar o que senti, no quarto de hotel, quando, sozinho, fui vestir a cueca nova. O constrangimento que senti foi só meu, impossível de ser descrito. Sentia-me o mais infeliz dos homens. Eram, sim, cuecas diferentes, coloridas. “Miséravel!”, pensei comigo mesmo. “Por que não pediu Zorba e pronto?” E assim foi por um dia: tira, põe, deixa no saco de roupas usadas.

Voltei para casa e a alegria do retorno fez esquecer-me das cuecas novas. Passadas as horas, comentei, com minha mulher, as minhas desventuras. Então ela começou a rir. E não parava de rir. E afogava-se de tanto rir. Senti-me ofendido, ora bolas! De que tanto ria aquela mulher? “Agora estou entendendo”, disse-me ela, depois de suas zombeteiras gargalhadas. Entendendo o que? “Sabe o que foi? A lavadeira me disse que achou lindas as calcinhas novas das meninas. Pensei que ela estivesse e não dei importância. Então, as calcinhas são suas cuecas novas?”

Desgraçadamente, eram! A miserável mocinha da loja me vendera cuecas “unissex”. Coloridas e estampadinhas. Calcinhas… Por isso é que, quando eu precisava, não achava a danada da abertura! E bom dia.

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