Daqui, à capital da solidão

picture (71)Foi, quando lançado, um dos mais aplaudidos livros da época, “A Capital da Solidão”, de Roberto Pompeu de Toledo, um dos mais sólidos de nossos jornalistas, em estilo, em seriedade e em cultura. Com Roberto e uns poucos outros, literatos e homens cultos ainda enriquecem a imprensa brasileira. Pois não são e nunca foram as faculdades de jornalismo que fundaram e criaram e plantaram e adubaram jornais. Foram escritores. E pensadores. A literatura e a filosofia cimentaram a imprensa brasileira desde meados do Século XIX. Digam-no, entre tantos, Machado de Assis, João do Rio, José de Alencar. E mais outros, depois: Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Athayde, Gilberto Freyre, Jackson de Figueiredo, mais quantos?

A crise no jornalismo brasileiro é a mesma de qualquer outra atividade intelectual, crise de talentos. Inverteu-se a história. Antes, de cientista a tocador de pandeiro, impunham-se os talentos. Hoje e por enquanto, valem currículos, diplomas, certificados, cursos. Não importa seja medíocre ou tolo o contratado, pois a referência está em títulos e diplomas. E pior de tudo: não mais importa de que faculdade ou universidade, que estas se vão nivelando. E por baixo.

Ora, neste meu tempo que lá se vai indo, encontro mil motivos para refletir sobre coisas de mediocridade institucionalizada. E, na verdade, nem sequer eu deveria incomodar-me com elas, pois vivo o momento da conclusão das coisas, da revisão delas, do pesponto desta ou daquela bainha, do tirar o sapato para cuidar dos calos, do estirar-me na rede para ver o crepúsculo ao som da melodia do adeus.

E daí, pois? Suportar tanta luta inútil, tanta farsa, tanta mediocridade, vulgaridades sem fim – e daí e para quê? Olhamo-nos nos olhos uns dos outros, os poucos amigos tentando refletir numa quase escondida mesa de bar, quase que um boteco onde, no entanto, aconchegavam-se os malditos da vida e do mundo: padres, jornalistas, poetas, pensadores, boêmios, andarilhos. Era uma “câve”. E tudo o que aconteceu de mais importante no mundo ocidental nasceu de “câve”, de manjedoura, de catacumba.

Preciso admitir e confessar que quase todo o meu tempo e toda a minha vida se resumiram em ler e em escrever. Ainda hoje. É o meu trabalho, mais árduo do que se pensa. Fico lendo e fico escrevendo. E fico lendo e fico escrevendo. Não sei para quê e não importa. Apenas é isso: fico lendo e fico escrevendo. E, então, as coisas me chegam com clarezas dolorosas. Está tudo revelado, nada há para criar. Logo, viver é fácil. Sobreviver, no entanto, é absurdamente difícil.

Quando me refiro ao livro “A Capital da Solidão”, penso em nós mesmos, em Piracicaba. Pois a vivificante e dolorosa questão está na principal fonte onde o escritor recolheu a vida, a história, a saga de São Paulo, das origens até 1900. A fonte exuberante onde Roberto bebeu é a obra de Mário Neme. E eis aí a grande tristeza: quem é Mário Neme para Piracicaba, em Piracicaba?

Sei que lá nos fomos, todos nós, embora, cada qual para sua caverna familiar. E, nos noticiários de rádios e de televisão e de jornais, estavam invenções e invencionices de uma Piracicaba que sempre existiu, sem precisar ser reinventada. Mário Neme é fonte fundamental para se escrever e reescrever a história de São Paulo. Mas os novos inventores de Piracicaba não sabem que Mário Neme já escreveu a história daqui.

Deixamos a “câve”. E, na boca, a sensação de “A Capital da Solidão” ter nascido da carne piracicabana. E daí? Bom dia.

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