Dar pérolas aos porcos

Porco com pérolasGuardo até hoje – na memória e no calor da alma – a emoção e alegria com que, após duas décadas de golpe militar, me preparei para votar na primeira eleição direta à Presidência da República. Entrei em êxtase. Vesti-me de terno e gravata e, antes de ir às urnas, ouvi a Fantasia Triunfal do Hino Nacional de Gottschalk. Era um ritual, uma liturgia, um momento sagrado pelo qual lutamos por tanto tempo.

Desgraçadamente, estou, hoje, em dúvida. E pergunto-me – evitando embalar-me pelo pessimismo – se valeu a pena. Saldanha Marinho – ao ver a queda do Império e o surgimento da República e sua composição – exclamou: “Esta não é a república dos meus sonhos.” Acredito que a maioria da minha geração, ainda viva, deverá, em seu íntimo, lamuriar-se também: “Esta não é a democracia dos meus sonhos.” Pior ainda: é uma farsa democrática, da qual o povo é apenas coadjuvante e chamado a legitimar, não a participar.

A mediocridade impera em todos os níveis. As informações são destorcidas propositalmente, com má fé e más intenções. Não é o futuro do Brasil e do povo brasileiro – o de Piracicaba e dos piracicabanos – que está em jogo. Mas a realidade concreta, verdadeira – insuportável, mas da qual não podemos fugir – de uma luta feroz entre grandes conglomerações que se apoderaram da política mundial.

É esse, em meu entender, um de nossos maiores problemas e, em especial, o de Piracicaba: parece que não participamos do mundo, que vivemos em uma paróquia, num nicho isolado. Isso é enganoso e interessa aos que transformaram o mundo num imenso mercado. A política está a serviço dos mercadores. E eles digladiam entre si para disputar os melhores nacos. Por isso, se – em qualquer eleição nacional – houver abstração das condições mundiais, a farsa estará montada. Propositalmente.

O grande discurso dos candidatos, em todos os níveis, é o do combate à corrupção e a disputa para ver quem é mais corrupto. E isso soa como se a corrupção política existisse apenas no Brasil ou fosse uma característica apenas nossa. Não é, mas isso não é enfatizado às camadas eleitoras. O mundo político se corrompeu definitivamente. E isso estava óbvio e previsto desde quando a economia neoliberal se instalou universalmente. Antes dela, havia esperanças de que o homem, o ser humano “fosse a medida de todas as coisas”, na discutível afirmação de Protágoras. Agora – ainda mais desgraçadamente – é o dinheiro a “medida de todas as coisas”, deixando de ser meio para  tornar-se fim. E o lucro como fim é essencialmente amoral.

A corrupção domina a política dos Estados Unidos e, nas últimas décadas, corrói a União Europeia. A própria democracia, como a conhecemos, está em jogo. Os escândalos sucedem-se assustadoramente. Tony Blair, na Grã-Bretanha, foi pego recebendo polpudas gratificações de empresas do mundo inteiro. Na Alemanha, Gerard Schoröder caiu com a boca na botija e, depois dele, diversos ministros de Angela Merkel. Na Itália, a corrupção é congênita e Berlusconi tornou o símbolo da corrupção. Na França, Sarkozy foi detido por causa de doações ilegais, incluindo as de Kadafi. Na Espanha, escândalos se repetem, incluindo a família real do ex-rei D.Juan.  Na Grécia, na Turquia, no Japão, na China, em toda a América do Sul, a corrupção é um rastilho de pólvora explodindo princípios, valores, conceitos e a própria democracia.

O Brasil assiste a seus candidatos discutirem picuinhas. Eles parecem não se dar conta de que nos tornamos a sétima economia do mundo; que, pela primeira vez, saímos do “mapa da fome” do mundo. E que, por isso, temos que agir como protagonistas e não como coadjuvantes. Estamos para ser, em muito breve, o principal celeiro do mundo e ficamos discutindo se Marina Silva irá ou não rever suas posições radicais. Mais do que idiotice, isso é irresponsabilidade e falta de verdadeira consciência nacional.

O historiador Perry Anderson tenta explicar-nos essa corrupção que, para ele, é, no mundo todo, pré-eleitoral e pós-eleitoral. Primeiro, os financiadores bancam; depois, cobram. Existe a “compra de votos, de vozes nos parlamentos e na imprensa, o roubo direto do erário e o enriquecimento resultando do exercício de cargo público, antes, durante ou depois.”       

O mundo já está na Terceira Guerra Mundial, ainda que em fragmentos. O Papa Francisco acaba de denunciá-la a autoridades judaicas. Logo, nem o buraco da esquina, em Piracicaba, escapa a essa tormenta mundial. E nossos políticoz e candidatos, discutindo picuinhas, banalidades, mediocridades?

Meu voto é minha pérola da consciência. Votar é atitude envolta em sacralidade. Quando se diz que alguém “faz votos”, diz-se que se compromete. Votar , em política, é comprometimento. Mas com quem, com quê? Eis minha dúvida: não posso atirar minha pérola a porcos. Bom dia.

1 comentário

  1. Delza Frare Chamma em 23/09/2014 às 09:16

    Cecílio, sobre a dúvida shakespeariana exposta por você sobre “votar ou não votar, eis a questão”, registro minha reflexão que é o reverso da sua. A partir do argumento irrefutável que você usou, de que votar em política é comprometimento, o não votar é fugir a esse comprometimento e não assumir o protagonismo que a democracia dá ao povo ao delegar-lhe a escolha e a eleição de seu representante a um determinado cargo da democracia republicana. Ser coadjuvante é abrir mão do voto e cair na tautologia de que todos os políticos não prestam e de que todos são corruptos. Existem políticos corruptos e incompetentes, claro, porém muitos são dedicados e fazem e continuam fazendo um bom trabalho no cargo em que exercem. Pergunta você: “comprometer com quem?
    Esse é nosso papel na democracia, nos informando, pesquisando, acompanhando com criticismo os nossos candidatos. Falando com eles, ouvindo debates, os quais, com todos os seus grandes defeitos, são momentos de conhecermos melhor nossos futuros representantes. A cobrança também é um direito que o eleitor tem dentro do sistema democrático e deve saber usá-la. Temos hoje meios modernos e tecnológicos que nos levam aos políticos para cobrá-los sempre que necessário. Se democracia não é o melhor dos regimes é o menos pior dentre eles. E terminando, discordo em que estejamos em uma “falsa democracia”. Estamos construindo a nossa. E o voto é uma parte dessa construção.

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