“De menor” e “de idoso”

picture (36)Entristeci. Não soube de qualquer notícia de “festança de São João” promovida por Lula e dona Marisa na Granja do Torto. Hoje, admito: era preferível – por mais ridículo fosse – vê-los vestidos de noivos caipiras, ministros fantasiados, festa com sanfona e violão. Éramos felizes e não sabíamos: “festinha do arraiá” é mais inocente do que outras festanças oficiais.

Tempos juninos carregam lembranças. E boas. Nelas, é-me inevitável a figura de minha mãe. Tenho a impressão de Fernando Pessoa – comparando o poeta ao fingidor – tê-lo escrito após conhecer minha mãe. Como o poeta, ela era fingidora, fingindo “tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”. Morro de saudade do fingimento dela, tão belas foram-nos as suas traquinagens e peraltices.

Nas minhas lutas jornalísticas, ela inventava: “A culpa é minha. Quando ele estava em minha barriga, tive desejo de comer crista de galo à pururuca. Não comi, nasceu um galinho de briga.” Pois é. Isso foi há exatos 68 anos, num domingo, às 10 horas da manhã, conforme ela assegurava: “No momento em que o pari, o sino da matriz, ao lado de nossa casa, chamava o povo para a missa.” Com ela, aprendi a gostar do verbo parir.

Assim, pois, aconteceu: nascido num dia de São João, em meio a rezas de parteiras católicas e de axés de candomblé, pois nossa cozinheira era mãe de santo e ofereceu-me a Xangô. O mundo já era confuso. Tão confuso que, na mesma manhã, após meu primeiro vagido, embrulharam-me, atravessaram a rua e pediram ao padre para me batizar. E que batismo! Meu padrinho era um árabe de nome Manuel, é possível? Além disso, ele cantava cururu. E eu era a promessa que meus pais lhe haviam feito: ele batizaria o primeiro varão de uma família já com quatro meninas, o primeiro machinho da casa.

Contaram-me que – feliz e totalmente bêbado – o sírio Manuel Chaddad atravessou a rua e me entregou ao padre. E lhe disse que, no batismo, botasse, na criança, os nomes de todos os santos juninos: Antônio, João e Pedro. Nos livros da cúria, não há nenhum Cecílio, mas há um Antônio João, pois o Pedro o padre deixou escapar. Um jornal da terra chamou o garoto de “robusto pimpolho”. Não poderia dar certo.

Ora, Fernando Pessoa deve, também, ter-me conhecido. Pois poetou: “Eu vejo-me e estou sem mim./ Conheço-me e não sou eu.” Na vida, chamaram-me de João, Joãozinho, Toni, Toninho , Turquinho, Turco e Turcão. Fui um pouco de cada um, acho que, por isso, ainda tento construir algum. E, para complicar, meu pai fungava, se lhe diziam do filho tido como lunático: “Árabe nasce comerciante ou poeta. Por azar, meu filho nasceu poeta.” E com padrinho sírio, de nome Manuel, cantador de cururu. Aconteceu há 68 anos. Está na hora de começar a me divertir como “de idoso”: espiar perna de moça bonita, fingir que estou surdo, assistir a filmes velhos de John Wayne, lambuzar-me com sorvete de morango, pedir cafuné. Quero viver como os “de menor” pois, segundo o Estatuto do Idoso, o “de idoso”parece ser incapaz, mas com menos impunidade – que pena! – do que político. Bom dia.

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