De novo, Pasárgada

O texto foi publicado em O Diário em 25 de março de 1982. E depois selecionado para o livro Bom Dia – Crônicas de Autoexílio e Prisão, lançado em 2014.

Nem um juiz conseguiria impedir o desejo de um rei. Pois o rei me chamou e, mesmo assim preso, eis que me vou para Pasárgada, lá onde sou amigo do rei. Na realidade, o rei é mais meu amigo do que eu dele. Não me chama, certamente por precisar de mim, mas me leva à Pasárgada ao perceber que estou precisando. E preciso agoniadamente: de paz, de harmonia, de fortalecer a minha fé em que uni mundo novo se vai construindo no silêncio e no anonimato. Preciso – para fortalecer a esperança — de ver homens se Itnovarem, de ouvir o silêncio do parto dos renascidos.

Preciso ansiadamente disso, esmagado que vou sendo por pressões que aumentam, por decepções que atingem a alma como se a ferissem de morte. O rei, meu amigo, sabe disso mais do que eu. E, então, quando mais me fragilizo, ele me chama e lá me vou para Pasárgada, a minha Pasárgada, onde renovo esperanças e tiro, dos olhos, nuvens e poeira que me impedem a clara visão do essencial.

Atropelo-me dentro de mim mesmo, antegozando alegrias e emoções, a paz que fluirá de todas as coisas, até mesmo das pedras do caminho e das árvores que parecem falar. E elas falam, como falam as pedras, os homens, as avezinhas, as coisas, na sinfonia harmoniosa de um universo em que todos os seres se encontram em paz. E assim a minha Pasárgada, lá onde sou amigo do rei. O silêncio é profundo, um litúrgico silêncio que envolve o parto dos que renascem. E todos renascem, morrendo para uma vida velha, surgindo para uma nova existência que apenas não será vivida por quem for tolo demais.

Nem sei quantas vezes já estive na minha, na nossa Pasárgada. Sei, porém, que o rei sempre me recebeu como amigo ou como filho, presenteando-me com as mais ricas pérolas de encorajamento, de pacificidade, de harmonia, de serenidade, de ternura. Pasárgada é tecida com fios de amor e, por isso, os homens neles se envolvem, permitindo que o amor escorra também de seus corações, tornando-se humanos em toda a sua integridade. Homens sem medo de dizer o que pensam, sem receios de revelar suas verdades, sem máscaras que ocultem suas fragilidades ou virtudes.

E lá, diante do rei, descubro sempre — para valorizar-me ainda mais o sentido da vida — que o ser humano é bom e que a maldade aparente – falso disfarce — nada mais é do que o equívoco de não acreditarmos uns nos outros. Em Pasárgada, porém — diante de rei tão misericordioso e bom – não há quem resista e, então, reaparecem os corações de criança. Nem o juiz me impedirá de ir a Pasárgada, ao chamado do rei. Onde fica? Só sabe quem já foi. E quem foi, dela não se esquece jamais. Bom dia.

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