De repente, o I-Juca Pirama
Pelo visto, começarei a traçar minha linha do tempo a partir de Olimpíadas, de Copas do Mundo, de bossa nova, coisas do arco- da -velha e da arca de Noé. Em sendo franco, rendo graças. E, enfim, entendo o I-Juca Pirama, do tão esquecido Gonçalves Dias, neste país de esquecidos. E, como o velho da taba, já posso dizer: “Meninos, eu vi.”
Até vou cantar os versos:
“Assim o Timbira, coberto de glória,
Guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tornava prudente: “Meninos, eu vi!”.
Chegar à maturidade é, sim, sentir-se coberto de glórias, de medalhas da vida, essas cicatrizes da sobrevivência, a corrida de revezamento, da largada ao romper da fita final. Quem passa pelo tempo pode dizer como o velho Timbira: “Meninos, eu vi.” Sinto-me privilegiado por Deus pela oportunidade de rever, de olhar para trás, de ficar à margem da estrada, ainda deslumbrado com a jornada. Mas com a ansiedade e a expectativa, diante da vida, de um noivo à antiga à véspera da noite de núpcias. Admito, pois, a verdade agostiniana: nada há de tão antigo quanto o novo. Portanto,
“Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
(,,,)
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
(…) Meninos, ouvi.”
Acho que nem mais preciso de parêntese para explicar-me, pois até um extra-terrestre, por aqui caindo, haveria de contar, em voltando: : “Meninos, eu vi.” São tempos de euforia estranha, essa vaidade emergente brasileira de etanol, de pré-sal, de marolinhas diante da crise mundial. E tempos de estupidez, como essa lutar para sediar uma Olimpíada, já que a Copa do Mundo deverá mesmo acontecer nas terras das tribos tupi, aimoré e tapuia.
O I-Juca-Pirama me reapareceu de repente, como se rompendo uma crosta que mo bloqueava na alma. Não pensei nele, mas também não sabia que ele me estava guardado no coração. A alma humana é antiga. Alma brasileira não existe. Precisa aprender que é alma universal. O tapuia de hoje é o romano de ontem, o egipício de ante-ontem, o chinês de agora. Os Estados Unidos já estão vendo ruir o império. O Brasil precisa cuidar-se. O mundo não começa e nem termina conosco.
O I Juca Pirama já nos havia contado tudo. Basta reler, lembrar, aprender. Bom dia.