Depois do arrombamento

picture (63)O povo, sempre sábio, ensina secularmente: “Não adianta trancar a porta depois de arrombada.” Os tempos, porém, são tão medíocres que passamos a aplaudir até mesmo o ruim, suspirando de alegria por não ter sido pior. É isso: aplaudimos a tentativa de trancar a porta arrombada, na dolorosa constatação de, em nosso caso, a emenda ser melhor do que o soneto.

Resolveu-se, enfim, reforçar a segurança na Rua do Porto, tendo como ponto-chave – pelo que se depreende da divulgação – o farol de observação. Foram necessários mortes, crimes, muitos anos de insegurança para atitudes tímidas começarem a acontecer, numa seqüência interminável de meias-medidas. Ora, há quanto tempo vem-se falando disso? Há quanto, pelo menos parte da imprensa, vem alertando para o claro e visível crescimento da bandidagem não apenas naquela região, mas na cidade toda? E o absurdo de – na guerra mundial para enfrentar a AIDS – Piracicaba cruzar os braços diante da prostituição irresponsável, da proliferação de drogas em nossas esquinas?

Dou-me o direito de falar como veterano jornalista e observador de nossas coisas. Se alguém já assistiu ao mesmo filme diversas vezes, seria um tolo se não soubesse o final da história. E não se fale que os tempos são outros. Quem, hoje, ver “Casablanca”, não adianta desejar um final diferente: Humphrey Bogart, bobo, continuará deixando a Ingrid Bergman ir-se embora. Onde houver prostituição e drogas, haverá bandidagem. E é suicida a cidade que, tendo ideais de vida nobres, acreditar possa na convivência pacífica entre lobos e cordeiros. Só no Apocalipse. Ou já chegou?

Até duas ou três décadas, a imprensa independente e crítica era a principal aliada de governantes e de autoridades constituídas. Pois, apontando e registrando, mostrando e protestando – dava pistas às autoridades. Políticos medíocres costumam dizer que imprensa ou alguns jornalistas querem “pautar o governo”.De certa forma, é verdade: quando a imprensa mostra um buraco na rua, “pauta” o governante para fechá-lo. Os áulicos não enxergam além do umbigo do poder, apenas aplaudem. Por seus olhos, o governante sabe apenas do ouro sobre azul, mesmo que nuvens negras toldem o céu. O melhor amigo do governo é o crítico dele.

O Ministério Público, delegados, agentes policiais viam, no noticiário da imprensa, como que indícios para uma possível “notitia criminis”. Jornais eram uma das fontes reveladoras dos acontecimentos. Inteligentes, os homens públicos cuidavam de ficar atentos aos noticiários. Pois é atribuição de uma imprensa responsável informar a opinião pública e, ao mesmo tempo, dar a conhecer, às autoridades, pistas ou pelo menos indícios de possíveis delitos. Hoje, no entanto – e tolamente por parte de alguns homens públicos – ameaçam-se jornalistas pelo direito de informar, desqualificando a informação com a eterna desculpa de “sensacionalismo”. Ou tentam silenciá-los. Enquanto isso, arrombam-se as portas.

Há uns 20 anos, a cidade estava sacudida por crises intensas, denúncias de corrupção. A Câmara, a imprensa, clubes de serviço cobravam providências. Uma valente vereadora foi a um Promotor de Justiça, levando-lhe a “notitia criminis”, um dossiê. O Promotor apenas respondeu: “Não leio os jornais da cidade.” Talvez, lesse o “New York Times”, procurando delitos que ameaçassem o “Central Park”, por que não?

Pois bem. Após tantos anos de denúncias, agora há alegria pela construção de um farol na rua do Porto. Parabéns. Como diz o povo: antes tarde do que nunca. Mas farol funciona sozinho, sem medidas concretas, providências sérias e definitivas? Ou servirá de mais uma atração turística? Ou, apenas, mais uma obra concluída? Bom dia.

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