Desafio caipira num fôlego só

Agora que está chegando outro aniversário de minha terra querida, me deu aqui na telha de me lembrar do amigo Mariano Soares, falecido, mineiro lá de Itamogi das Minas Gerais, vontade que tive de lhe perguntar, assim que senti friozinho chegando, se, naquelas bandas de lá, as festas juninas têm as mesmas belezas das festas das bandas daqui, dos três santos da Igreja – Santo Antônio, São João e São Pedro, na mesma ordem que aí está – tão milagreiros para as gentes que o povo, seja de ricos, de pobres, de empregado a patrão, nunca deixa de comemorar, com festança de muitos dias, arrasta-pé e quentão, e doces que, duvido, se a mineirada cozinheira do glorioso tutu de feijão, com torresminho e leitãozinho à pururuca, sabe preparar com o requinte da caipirada daqui, especialmente a pamonha, tão nossa cá da terrinha, e mingau de milho e canjica, arroz doce e batata-assada, que fica mais gostosa e fofinha se assada em cinza de fogueira, daquelas fogueiras da altura de dois homens taludos, um subindo no ombro do outro, estalando lenha verde, dando quentura, convidando o sanfoneiro a sanfonar, o rezador a rezar rezas, o cantador a cantar cantoria para, no vai que vem da quadrilha, o povaréu se assanhar — “balancê, dá um passinho pra frente, um passinho pra trás” — o rosto das moças de Tupi mudando de cor, elas ruborizando de alegria e de timidez, a rapaziada com lenço no pescoço, camisa listrada, chapéu de palha, risco de carvão à moda de bigode, lambendo os beiços do quentão fervendo, esse quentão que não sei se o amigo Mariano, lá da Cristina das Minas Gerais, sabia como faz o caipira daqui, com certeza mais melhormente do que a caipirada de lá, quentão com pinga de corote, vinda do alambique do Barnabé, hoje não sei mais de onde vem, na qual se punha, à vontade do fazedor, cravo, gengibre, canela, havia quem colocasse açúcar mascavo ou, então, melado de cana que, se dizia, era pra combinar o gosto da pinga com cheiro de canavial, não sei dar a receita, mas vi, uma vez, meu finado tio Toninho, Deus o tenha, fazendo, do jeito lá dele de fazer, colocando tudo num tacho grande de latão, mas primeiro acendendo o fogo debaixo de uns tijolos arrumadinhos, o tacho por cima, que era para as brasas não queimarem o fundo, ia mexendo e mexendo tudo com uma colher de pau e, de quando em quando, experimentava de pouquinho, lambendo a colher – “bão…”, ele dizia — e tacava ela de novo no tacho, remexia outra vez, lambia até falar “bão…” outra vez, enjoava a gente, mas confesso que era, sim, de endoidar moço e rapariga, daí aquela história, que se evita contar mas que era verdade, de se casar na igreja verde, nos matinhos longe da fogueira e da quadrilha de São João e de Santo Antônio, longe também do altar de São Pedro, santo poderoso, o primeiro a fazer lição de Jesus, não sei como é essa fé nas bandas lá do Itamogi, de onde o amigo Mariano fingia e morrer de saudade, acaipiracicabanado, aqui ficou e aqui morreu, amigo contador de causos, garganta boa pra celebrar casório e isso me lembra, de novo, Santo Antônio, festança junina chegando, e eu, querendo saber se lá na festa da mineirada também tem rojão, buscapé simples, buscapé de vara, aqueles traques de criança brincar, que a meninada acende e sai gritando, com perdão da palavra, que é “pum de véia”, desculpe a má palavra, mas não sei se a criançada mineira lá de Itamogi fala essas coisas de palavrão.

Não é por estar na minha presença, mas era só disso que eu queria saber, falando e escrevendo de um fôlego só. E bom dia.

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