Desinformados e mal-informados
Fernando Henrique haverá de disputar, com Pelé, o troféu de celebridade brasileira que mais comete “boutades” infelizes. O homem abre a boca e deixa escapar palavras que causam transtorno. Já chamou o brasileiro de caipira, considerando-se acima de todos nós, pobres mortais; aos que lhe eram opositores, falou que, apenas, faziam tititi ou nhenhenhém, desrespeitando as opiniões alheias. E, agora, ofende a maioria do povo brasileiro – em especial o nordestino – ao chamar os eleitores de Dilma Roussef de desinformados. Fernando Henrique deflagrou um confronto que terá efeitos maléficos na vida nacional.
No entanto, mais essa deselegância de Fernando Henrique deveria servir-nos para uma reflexão mais ampla e amadurecida da grande e grave questão em que se transformou a Informação no Brasil. Pois, justamente na esplêndida era da Comunicação, a informação do povo brasileiro está contaminada e poluída por interesses que viciam a sua natureza. A informação – como tudo, na economia de mercado – tornou-se, também ela, mercantilizada. Vai daí, é fornecida conforme os interesses em jogo que, no mundo economicamente globalizado, criam uniões e corporações de alto poder coercitivo. Informar – pode-se hoje dizer – é manipular, é instrumentalizar, é induzir, é direcionar.
A comunicação – mesmo quando retamente intencionada – é um processo sempre dramático. Inicia-se com um emissor, o transmissor que envia a mensagem. Ao fazê-lo, o comunicador não escapa às suas tendências e compreensões do fato. A mensagem, assim, já é enviada com ruídos. E ela própria nem sempre corresponde à intenção do emissor. Na terceira fase, chega ao receptor – digamos que ao leitor, ao ouvinte, ao telespectador. E este, por sua vez, interpreta conforme sua própria realidade, expectativas, desejos.
Logo, toda mensagem transmitida, toda informação já tem, por sua própria natureza, as suas limitações. E isso piora ainda mais dramaticamente quando o transmissor é mal intencionado ou tem propósitos manipuladores. Se quer induzir o receptor aos seus objetivos, o transmissor – leia-se, no caso, o veículo de informação – saberá como manipular e como instrumentalizar a comunicação. Sonegar informações, deturpá-las, conduzi-las, amoldá-las – estes são recursos que, com as notáveis novas tecnologias e ciências humanas, causam verdadeiros seqüestros do espírito, tanto individual como coletivamente. O receptor é vítima passiva do emissor.
A razão humana é formada a partir do conhecimento e da informação. Por isso, o ignorante é mais intuitivo, o que lhe permite uma sabedoria primitiva, existencial, de sobrevivência. O homem culto – se se forma apenas por esta ou aquela informação, sem ampliá-la ou questioná-la – acaba, na realidade, pensando e raciocinando conforme o transmissor que lhe enviou a mensagem. Por isso, há a razão comunista, a razão socialista, a razão capitalista, a razão do mercado, a razão da fé, a razão também dos bandidos. A inteligência humana tem o poder de mudar ou reajustar a razão. Mas não pode, todavia, estar viciada. E estamos, na verdade, narcotizados.
Precisaríamos, com honestidade, admitir sermos todos mal-informados. Pois aceitamos submetermo-nos a um único pensamento, congregado num verdadeiro cartel ou sociedade de informações. Jornais, revistas, emissoras de rádio e tevê – com exceções raríssimas – adotam a mesma orientação, atualmente vinculada aos interesses do mercado e das poderosas instituições econômico-financeiras. Ora, como se haverá de confiar em informações sem contraditório? Como ter certezas se outras versões não forem apresentadas? As agências de notícias internacionais pertencem – todas as grandes e influentes – a poderosos conglomerados econômicos. E, de uma maneira quase geral, batem nas mesmas teclas, na sempre eficiente técnica de convencer pela insistência, pela repetição, pela unidade de revelações. Ora – dirá o receptor – se todos dizem a mesma coisa, logo isso é verdade. Mas não é assim. Isso é aceitar o emburrecimento.
Refinadíssimos hotéis de Paris oferecem, a seus hóspedes, a leitura de dois jornais absolutamente antagônicos em suas visões de mundo: “Libération” e “Le Monde”. A leitura de ambos permite, ao menos, um início de análise crítica. Isso, infelizmente, não acontece no Brasil, onde nossos veículos cantam o mesmo samba de uma nota só. E, por vezes, irresponsavelmente, como fez a revista “Veja”, poucas horas das eleições, tentando, sem qualquer pudor, influir na vontade do eleitor.
O “desinformado” – a que Fernando Henrique e sua troupe se referiram – é aquele homem que vive no mundo a partir de sua própria experiência pessoal de sobrevivência. O mercado financeiro é, para ele, uma jogatina da qual não faz parte. Enquanto isso, o “bem informado” vive a ilusão dessa jogatina como se fosse realidade. A questão é grave.O que será de um país onde o ignorante conhece mais a vida do que uma soi-disant sociedade culta sem qualquer sensibilidade? Bom dia.
excelente texto do jornalista Cecílio Elias Neto