“Deu no jornal”, “deu na televisão”

Banco de notíciasFosse, eu, jovem, jamais escolheria ser jornalista diante do padrão de certo jornalismo farisaico e empresarial que se pratica hoje. Tenho visto moços idealistas, inteligentes, ainda sonhando com um jornalismo ativo e altivo, participante, decepcionando-se quando, depois de formados, “entram no mercado”. E eis aí, para mim, o cerne da questão: jornalismo passou a ser, também, questão de mercado. E, portanto, sujeito a compra e venda.

Nesses terríveis tempos de cultura de massa e de industrialização do pensamento, o jornalista deixou de ser, como antes, um agente de transformação e de vigilância social. Nas faculdades, a grande maioria dos jovens pensa em ser repórteres ou âncoras de televisão, produtores ou assessores de imprensa de empresas. A minoria – que é vocacionada para o jornalismo – não tem para onde ir. Ou fazem, eles, seus próprios veículos de comunicação – e a internet o está possibilitando hoje – ou amargam decepções e frustrações.

Quando se coloca, para os jovens, o jornalismo como profissão, creio tratar-se de uma falácia conveniente, pois não se lhes explica qual o sentido da palavra profissão, entre os vários nela contidos. Se for no sentido de professar – acreditar, proclamar – então, sim, o jornalismo é uma profissão de fé, baseada em opinião, em comunhão solene. Nela, o jornalista revela e divulga seus ideais, sonhos, esperanças, maneiras de viver, construção de mundos. Mas se profissão for entendida como atividade econômica, meio de vida, ocupação, ofício, emprego,  o jornalista aceita  ser apenas um cumpridor de ordens e de deveres. E, então, desaparece a sua grande missão, que é a de contribuir para que a verdade dos fatos, dos acontecimentos – em especial na vida pública e política – seja revelada.

No jornalismo – sempre o afirmei àqueles que comigo trabalharam  e trabalham – mais importante do que o talento é a vocação. Um jovem pode ter talento para escrever, para redigir, para criar, mas isso será insuficiente se não houver a vocação, que é o chamamento, a entrega, a doação, a crença naquilo que se faz. Por outro lado, um jovem – se tiver pouco talento, mas verdadeira vocação – estará no universo jornalístico, pois talentos são aperfeiçoados, cultivados. E vocação é um dom. Nesse sentido, o jornalismo é sacerdócio, profético e missionário.

Nasci para o jornalismo no tempo em que não se tratava de uma atividade remunerada, mas, sim, como que uma escola de cultura e de aprendizado de mundo. Ser aceito numa redação, era privilégio de  poucos. E o jovem –  que o conseguia – tremia ao mesmo tempo de alegria e de temor. Pois ingressava num mundo sério, exigente, responsável, onde o menor erro na informação era considerado uma tragédia. Redações de jornais eram nichos literários, artísticos, culturais, espaços ocupados por homens sábios. Como ativividade econômica, o jornalismo era “bico”. Por isso, jornalistas viviam de outras atividades para sobreviver: médicos, advogados, professores, padres compunham a equipe redacional. O diretor e o redator-chefe – assim chamados, à época – tinham sua remuneração e jornais viviam da  publicidade de comércio e indústria. Mas com um detalhe fundamental: o dito departamento comercial jamais tinha vínculos ou proximidade com a linha editorial dos jornais.

Era assim, pois, o jornalismo que – no mundo inteiro – deu início a grandes transformações, mesmo quando simples folhetins escritos por verdadeiros intelectuais e missionários: a revolução francesa, a revolução russa, a libertação dos escravos e a proclamação da República no Brasil  e alguns poucos veículos na resistência à ditadura militar. Jornalismo era missão, mesmo quando surgiram empresários da comunicação dos quais a figura mais lamentável foi a de Assis Chateaubriand. Foi um semeador de jornais, criador da tevê brasileira, dono da mais poderosa rede de comunicação que já se conheceu no Brasil. Mas, antes de mais nada, um comerciante da informação. E o foi a tal ponto que se tornou lendário o hipotético diálogo entre ele e Davi Nasser. Chatô teria pedido a Davi Nasser que escrevesse sobre Jesus Cristo. E Davi perguntou: “A favor ou contra?”

Ser “notícia em jornal” era uma grande honra ou grande desonra, tal a credibilidade da imprensa. Bastava dizer “deu no jornal” para se ter como verdadeiro,  mesmo quando se tratava de algum equívoco. Depois, isso foi substituído no mundo do espetáculo, na maldição da cultura de massa e da indústria do entretenimento. “Deu na televisão” é, agora, a grande honra ou a grande desonra. Não importa mais se é verdade ou não. Pois a capacidade de pensar e de refletir dos cidadãos foi reduzida a ouvir, ver e ler a opinião dos meios de comunicação. E, neles, a verdade está diluída conforme os interesses da máquina do mercado. A chamada “opinião pública” vai aceitando pensar através da “voz dos donos” dos grandes impérios de comunicação.

“Estar no mercado da comunicação”, pois – pelo menos para mim, veterano escrevinhador – é estar num mercado de compra e venda. O caos é tamanho e tantas as mistificações que confesso, hoje, o meu estado de dúvida permanente. Para tentar saber um mínimo do rastro da verdade, vejo-me obrigado a ler dois jornalões diários,  três revistas semanais – Época, Veja, Carta Capital – e a uma outra, mensal, Caros Amigos. E percebo que não vou a lugar algum. Bom dia.

1 comentário

  1. Marisa Bueloni em 03/09/2013 às 00:34

    Parabéns pelo belo texto, Cecílio! Jornalismo é – ou já foi, não sei – idealismo.
    E se puder unir talento e vocação, melhor!
    Bem… agora é "deu na internet'…
    Abraços da Marisa

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