Dever de…

Que estamos como que sob uma ditadura da infância e da adolescência, creio que poucos duvidem disso. A crianças e adolescentes, garantiram-se todos os direitos, muitos dos quais estavam perdidos, esquecidos ou eram inexistentes. No entanto, legisladores, educadores, pensadores acabaram esquecendo-se de um outro lado da moeda, que é a moeda da própria vida, que caminha ao lado do direito: a obrigação, o dever.

Há pouco tempo, conversando com um dos meus netinhos adolescente e alguns de seus amigos, ouvi um dos garotos contando de suas malandragens e da consciência que já tinha de colocar os pais em dificuldades: “Se eles vieram me castigar mais seriamente, eu vou denunciá-los ao Juizado. E eles sabem disso.” Ora, qualquer psicólogo iniciante sabe da crueldade das crianças, criaturas ainda em formação. E eis aí a questão: educar é, no sentido etmológico da palavra, “vergar o feixe de varas”. Educar é formar. A maneira, pois, como será educada uma criança irá definir o adulto em que se transformará, com as exceções de praxe.

Desgraçadamente, esse mundo que chega ao fim – pois está moribundo o mundo do neoliberalismo, do individualismo desenfreado – aboliu uma das noções fundamentais da civilização que é a do dever. E é algo tão complicado que, através dos tempos, exigiu reflexões profundas de filósofos e pensadores. E continua exigindo. Não há sociedade humana que sobreviva sem a consciência do dever. E crianças têm que saber disso desde o início, na sabedoria dos antigos, por mais humildes e simples que tivessem sido, que sabiam: “o pepino se torce de pequenino.”

Ainda não entendi, confesso, que um garoto de 16 anos possa votar – assumindo a responsabilidade de eleger um presidente da República – e, no entanto, não possa ser preso por crimes cometidos. E o aprendizado do trabalho? Que estupidez é essa de negar, aos meninos e meninas, a iniciação profissional que irá definir-lhes a própria vida? Minha geração, desde a infância, estudou e trabalhou sem traumas ou graves problemas, sem ter sido explorada ou usada para trabalho escravo. Eu tive minha caixa de engraxar sapatos aos 12 anos. E, nessa mesma idade, eu ia, após as aulas, ser recepcionista no consultório de uma das mais fascinantes pessoas humanas que Piracicaba conheceu, meu primo e médico Alarico Coury. E aos 13, lá estava eu como acompanhante nos estudos particulares de amigos e parentes. Ter uma atividade leve, iniciante aos 13 anos é mais prejudicial do que nada fazer e ser levado a experimentar drogas?

Estamos num mundo novo de tecnologias fantásticas e, no entanto, de infantilização do ser humano. Pais parecem ignorar que os filhos púberes já têm atrações sexuais e fazem, disso, folguedos temerários. Em minha geração, garotos de 13, 14 anos já eram levados à iniciação sexual, como num rito de passagem. Até as religiões monogâmicas têm seus ritos de amadurecimento, de passagem: o bar mitzvá dos judeus, ao menino de 13 anos; o Crisma católico, a partir dos 14 anos. Mas, na vida cotidiana, transformamos adolescentes e crianças em verdadeiros idiotas, como se eles não tivessem acesso ao lixo imenso que transborda das tevês, da internet, de todos os meios de comunicação.

Se papai e mamãe conseguirem sair dessa estupefação em que se encontram – e muito comodismo e preguiça em multidões de homens e mulheres jovens – talvez consigam reverter uma situação de idiotização coletiva. E, então, começar a exigir de filhos o cumprimento do dever: dever de estudar, dever de respeitar, dever de participar, dever de entender que a dignidade humana está acima e além, muito acima e além do que os shoppings da vida. Bom dia.

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