Dezembro sabático

picture (19)Nem sei se, ainda, há coisas de professores que me encantavam: eles – de sete em sete anos – tiravam um apenas para estudar, viajar, descansar. Era o chamado “ano sabático”, reminiscência da tradição judaica. Pois os judeus antigos – não sei se ortodoxos ainda o fazem – zelavam pelo “ano sabático”, o do “sábado, do Shabat glorioso”, ano de bondades e de descanso. Era quando, de sete em sete anos, não se cultivava a terra, perdoavam-se dívidas, não se cobravam impostos. Tentava-se imitar a imagem do Criador, que descansou no sétimo dia.

Desconfio, porém, que o “ano sabático” de professores universitários, de descanso e de alegria, não tivesse conotação religiosa ou reverencial. Universidades, como se sabe, são, também, locais de espertezas, vide a moçada nas repúblicas e nas festas. Ora, o “shabat” – porque Deus descansa – fez-se oportuno para, também, botarem-se as manguinhas de fora. Ou não é assim o “sabá das feiticeiras”? O baile delas é sério. Pois, numa versão mística, é, também, no “shabat” que ocorre a fusão das dimensões masculina e feminina de Deus, tornando mais propícia a união amorosa de marido e mulher.

Montadas em cabos de vassoura, feiticeiras surgem em clareiras de florestas e estimulam paixões, seduzindo, promovendo orgias e alucinações. Alguns dizem ser inspiração da Rainha de Sabá, sei lá. Há quem não goste da referência, mas o rei Salomão, além de sábio, era esperto. Quando a rainha de Sabá foi visitá-lo, ele a esperou numa casa de vidro, com espelhos no chão. A dama pensou fosse água, ergueu as vestes e Salomão espiou o objeto de seus desejos: as pernas peludas da rainha, como de feiticeira. Apaixonando-se, Salomão casou-se com ela. Até hoje, a Etiópia reclama a herança de Israel.

Lembrei-me de coisas sabáticas – de sossego, de descanso, de aquietar-me e ficar bonzinho – por perceber que este dezembro de 2008 leva a um final de ano diferenciado. Há uma pausa coletiva no ar. E em todo o mundo, como se as pessoas aguardassem o que virá a acontecer a partir de janeiro, não tanto pelo mês como pelo aguardado discurso de posse de Barack Obama. O que Obama falar irá redifinir o mundo, tal a falta de luz no final do túnel. Na verdade, estamos esperando, desta vez mais do que em anos anteriores. Para religiosos cristãos, é o tempo do Advento, que significa espera, aguardar a chegada. A sabedoria antiga permanece quase imperceptível aos corações de hoje, mas permanece. O mundo está em pleno advento, um mês de paralisia, mês sabático. .

Confesso estar acalentando viver um ano sabático, um ano todo, talvez em 2010, quando me chegarem os 70 anos. Não sei se o conseguirei, pois não consigo sequer viver este sabático mês de dezembro. Tentarei fazê-lo, aguardando sei lá o quê do ano que vem. Mas será um mês sabático à minha maneira, pois estar sem escrever e sem ler, não consigo mesmo. Já escrevi em folha de caderno, em guardanapo de mesa de bar e – nem tanto ou tão bem quanto Anchieta – até em areia de praia, “palavras leva o mar.”

Portanto, se férias não sei tirá-las – meu medo do “dolce far niente”, a incapacidade de relaxar – há escolhas que posso fazer. E deixar de fazer. Pois a arte de viver – ou sabedoria? – deve estar em fazer o que precisa ser feito para, depois, fazer-se o que se deseja, de que se gosta.

Tomara surjam as bruxas e aconteça o “sabá das feiticeiras”. Tentarei viver, então, o meu “mês sabático”, fazendo o mínimo do que precisa ser feito e o máximo do que desejo. Não irei a festa de criança, a reuniões, formatura, casamento, nem a almoço em churrascaria. Ficarei apenas com amigos, com as pessoas que amo, comendo cuscuz na rua do Porto, pão dos Soledade, jogando conversa fora, ouvindo minha mulher cantar, ao violão, as dores de Catulo Cearense..

O lamentável está em saber que não escaparei ao único dever doméstico que meus talentos permitem: empurrar carrinho de supermercado. Bom dia

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