Dia da mulher

Dia da MulherToca o despertador: 6h15. Ela salta da cama, mal se espreguiça. Vai à cozinha, deixa a água do café fervendo e entra no banheiro. Em silêncio, para ainda não acordar o marido. Que dorme por mais alguns minutos. Cuida-se, banha-se rapidamente, enrola-se no roupão, volta à cozinha. Recolhe o jornal à porta da casa. Faz o café, chama as crianças, chama o marido, deixando, para ele, o jornal ao pé da cama.

Apronta o café, irritada com a demora das crianças. Deixa tudo preparado na mesa, retorna ao banheiro para se vestir, insiste para o marido levantar-se. O relógio apressa ainda mais as coisas: 6h50. Chama a atenção das crianças, já vestida e arrumada, pronta para sair. Mal-humorados, os filhos entram no carro. Ela volta ao quarto despede-se do marido, que está no banheiro lendo jornal: “Não se esqueça de chamar o eletricista. Tchau.” – avisa e despede.

Deixa cada filho na escola, apressando-se para não perder hora. Chega ao trabalho: 7h35. O chefe, emburrado, resmunga: “Atrasada, como sempre.” Liga o computador, vê os e-mails, mexe em papéis. Telefona para a empregada, dando orientação para o almoço das crianças. Tem reunião às 8h., que se estende até às 9h30. Serve-se de um café rápido, volta à mesa e sabe que não terá mais de meia hora para manter seus contatos pessoais: a mãe, irmãs, querendo saber da saúde dos pais. Responde a e-mails, atende os telefonemas e os chamados do chefe. Outra reunião às 10h30, que se prolonga até pouco antes do almoço.

Ao meio dia, sai correndo, quase esquecendo a bolsa: tem que apanhar os filhos na escola, levá-los para almoçar em casa. As filas de automóveis são imensas, o tempo escoa. As crianças estão ainda mais irritadas, brigando entre si. Deixa-as em casa, entrando para ver se o trabalho da empregada está em ordem, se o almoço saiu corretametne. Aproveita-se e corre ao banheiro, faz xixi, sai correndo. Passa na lanchonete, pede um suco e um sanduíche, aproveita o horário para ir ao banco, pois ainda não confia em pagar contas pela internet.

Às 14h., um pouco de sossego, o pessoal do escritório retornando lentamente do almoço. O marido telefona: vai chegar atrasado para o jantar, pois fará uma “happy hour” com os amigos. E não se lembrou de telefonar para o eletricista. Apressado, ele pede que ela mesma o faça. Aproveita para falar, ao telefone, rapidamente com uma, duas amigas. O chefe, menos emburrado, permite que ela saia por algum tempo para apanhar os filhos em casa e levá-los, um à aula de violão, a outra, ao ballet. Retorna, sabendo que os papéis já se acumularam em sua mesa, que terá de despachá-los e estar livre por volta das 17h30, quando terá que buscar as crianças novamente.

Está atrasada, as crianças reclamam: “Esqueceu de nós?” Ela quer xingar, mas se desculpa. Pede que esperem no carro, pois precisa comprar pão, frios para o lanche da noite. As crianças reclamam: “Mas vamos perder o programa de tevê, se esqueceu?” O garoto fica mais bravo: “E você se esqueceu de que vou, hoje, dormir na casa da vovó?” Não, não se esqueceu. Sai da padaria carregando sacolas, o estômago roncando, pois se lembrou de nada ter comido durante a tarde.

Entram em casa, as crianças jogam roupas no chão, sacolas, ligam a televisão. Deixa as compras na cozinha, ouve a secretária eletrônica: cinco recados. Grita com as crianças: “Arrumem já essas suas coisas, não sou empregada de vocês.” A menina obedece, o menino xinga, cobrando: “Quero estar na casa da vovó antes das oito, pois ela vai me levar ao shopping.” Apressa-se, vê o que tem na geladeira, esqueceu-se de comprar suco. Prepara um lanche rápido, o garoto não quer comer, a menina não sai de diante da tevê. Grita para o menino se apressar: “Não quer chegar antes das oito? Então, vamos.”

A mãe, avó do menino, quer que ela entre, tome um café, converse um pouquinho. Quer reclamar do marido, que não se cuida. Ela se senta à mesinha da cozinha, aguarda o café da mãe, come um pedaço de bolo, ouve as queixas e lamúrias. Apressa-se: a filha está sozinha em casa, o marido pode chegar a qualquer momento. Despede-se da mãe, do filho. Sente um pouco de receio em dirigir à noite, lugar afastado.

Está em casa às 20h30. A filha não comeu o lanche. Brigam. A menina prefere pão só com presunto, sem queijo e tomate. Faz outro sanduíche. Ouve barulho na garagem. É o marido voltando. Ele assobia, parece alegre. Entra, tira os sapatos, joga-os ao lado do sofá. E desaba diante da televisão, dizendo-se exausto. E pede, com olhar cândido, com jeito de sofrimento: “Você traz uma cervejinha para mim? “ A filha sai da sala de televisão, vai ao computador. Em pouco tempo, o marido está roncando.

Enfim, ela tem um tempo para si mesma. Ajeita as louças na cozinha, senta-se ao telefone, conversa com as amigas. A filha grita: quer outro sanduíche. Desiste de conversar ao telefone, faz o sanduíche, aproveita para elencar as atividades do dia seguinte, de deixar recados para a empregada. São 22h30, o marido continua roncando no sofá. Ela se despede da filha, toma um banho à espera de que seja repousante, liga o televisor do quarto, estira-se para ver algum programa, não sabe qual. Ouve passos do marido, cambaleantes. Ele entra no quarto, dirigindo-se ao banheiro: “Você está linda. Vou me banhar para você.”

Ela quer morrer. Mas, na verdade, no Dia da Mulher, teve, apenas, um dia de mulher. Bom dia.

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