Dinheiro no colchão

O uso de talão de cheques e de contas bancárias era algo raro até o começo dos 1960. Lembro-me de minha primeira conta ter sido, após meus 21 anos, no antigo Banco Auxiliar e, mais tarde, outra no Banco da América, cujo gerente era um amigo pessoal, o João de Castro. O Banco Auxiliar, gerenciado também por um caro amigo, o João Teixeira, capotou, como ocorreu com outros bancos, entre eles o Comind, além de outras instituições. O Banco da América se tornou uma das vigas do Itaú que então surgia.

As contas eram pagas com dinheiro vivo e o crédito se dava nas chamadas “cadernetas” das casas comerciais, de onde a expressão amiga e até amorável de “freguês de caderneta”. Dizia-se que as pessoas guardavam o dinheiro debaixo do colchão, mas confesso nunca ter visto essas coisas. Havia cofres nas casas, “porquinhos” para se guardar moedas, listas de recebimento e de pagamento, como que uma contabilidade doméstica sem qualquer complicação. Lembro-me de, na infância, meu pai ter-me feito uma “caderneta da Caixa”, acho que um tipo de poupança de que nunca mais tive conhecimento.

Nos 1960, especialmente depois de Juscelino Kubitschek, a economia brasileira foi levada mais a sério pelo mundo, que já se deixava, então, orientar pelo FMI. E os bancos começaram a crescer. E os talões de cheques se tornaram mais comuns e ter contas bancárias deixou de ser privilégio de uns poucos. Tanta importância se passou a dar à economia que se foi falando cada vez menos em contadores e contabilistas para se dar mais atenção a economistas. E as faculdades de Economia e Administração se propagaram. A Escolinha do Zanin – a de Contabilidade “Cristóvão Colombo” – passou a ser ameaçada pelos metodistas que fundaram a ECA (semente da Unimep) em 1964 e Piracicaba começou a ter economistas em abundância e com competência.

Essas lembranças são apenas para dizer de meu espanto – de uma certa maneira agradável – ao saber que um jovem comerciário, inteligente, maduro para os seus 25 anos de idade, com ideias avançadas é uma das exceções, pelo menos que eu conheço, que não acredita mais em bancos, que descrê de investimentos, de cadernetas de poupanças, de Bolsas de Valores e guarda seu dinheiro à antiga: no colchão. Na verdade, não sei se no colchão, mas em sua casa. Tudo o que ganha saca do banco e, se lhe pagam em cheques, desconta-os, toma do dinheiro em espécie e o guarda em casa. Sua explicação é simples: “O dinheiro é meu e não vou deixar, como já aconteceu, que governo me tome ou que banco vá à falência e eu fique sem nada.”

Confesso estar meditando muito a respeito disso. Pois decidi – e já estou fazendo-o – cancelar cartões de crédito, nada mais comprar a crédito, mesmo porque diminui radicalmente meu interesse por objetos de consumo. Roupas, não preciso mais nenhuma, já que ando dando e distribuindo os excessos que tenho. Olho para minha casa, não encontro o que eu vá precisar de novo, a não ser os reparos normais do cotidiano. Supermercado, o básico para quem passa praticamente cinco dias da semana sozinho. O problema são os livros e essa maldição da internet, com suas ofertas e novidades. Resisto e resisto. Mas, de vez em quando, capitulo, cedo à tentação e saco de um cartão de crédito que ainda me sobra, mando bala no pedido pela internet e, 24 horas depois, o livro desejado, querido e amado está em minha mesa.

Na verdade, pode ser interessante o jovem rapaz guardar seu dinheirinho no colchão. Mas, aqui entre nós: que esse mundo digital, compras online, cartões de débito e de crédito dão mais facilidades à vida, lá isso dão, né? O problema aparece quando as contas chegam. E bom dia.

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