Do carroção de boi, às estrelas (2 – final)

O texto foi publicado em 21 de julho de 2014 e depois selecionado para o livro “Bom Dia – Crônicas do Autoexílio e da Prisão”.

Nas redações, escrevíamos à máquina e em laudas de papel. Rabiscavam-se os erros com lápis ou caneta. Em seguida, o texto era levado a um verdadeiro monstro que exalava fumaça e grunhia assustadoramente: a linotipo. O operador dela, o linotipista, escrevia, como um datilógrafo, no teclado e enviava, linha por linha, o escrito para a máquina apanhá-lo e transformá-Io em linhas de chumbo. A fumaça do chumbo era tóxica, exigindo que se bebesse leite. Mas linotipistas tinham lá suas crenças: preferiam cachaça, a velha, boa e “marvada” pinga.

Os títulos, a partir dos 12 pontos — faça-se, hoje, relação com os pixels – tinham que ser montados letra por letra, numa caixa também de chumbo. Imagine-se, pois, escrever Piracicaba em tipos manuais: pegava-se um P, depois um l, depois um R… E assim caminhava a humanidade. Montada a página, esperava-se a revisão, trocavam-se as linhas de chumbo e lá estava pronta para a impressão.

A primeira impressora que conheci e na qual trabalhei chamava-se “impressora plana”. Imprimia apenas duas páginas de cada vez. O impressor empurrava para a esteira uma folha de papel — em resmas — a máquina imprimia; logo em seguida, vinha outra. E mais outra e mais. As folhas ficavam secando à espera de novamente voltar à máquina, pois tudo teria que recomeçar, agora imprimindo o verso. Imagine-se, agora, o que era e o que foi imprimir um jornal digamos com apenas doze páginas. Que, aliás, tinham que ser dobradas e encartadas à mão.

Depois, a rotoplana. Automática. Outro milagre. E, finalmente, a rotativa “offset”, mais milagrosa do que abrir as águas do Mar Vermelho. E a morte do lápis, da caneta, da máquina de escrever — sob o império e o domínio do computador.

Piracicaba através dos tempos _ ícone 3

De 21 de julho de 1964 a 21 de julho de 2014, nestes 50 anos, escrevi — com lápis, com caneta, com máquina de escrever, com computador meus “bons dias” intimistas, com alguns breves períodos de intervalo. Na verdade, confessei-me, minha maneira de salvar-me espiritualmente. Consegui, por um privilégio divino, sair do carroção de boi e chegar às estrelas, na marcha da humanidade.

Mais do que perseguir-me, Deus esteve comigo. A meu lado. De braços abertos, protegendo-me. Expirando, para que eu inspirasse.

É a ele, hoje, que rendo graças. E, ao leitor, um eterno Bom Dia.

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