Domesticando o ser humano

picture.aspxNum tempo em que tantos cuidados se dão a animais, há que se retomar a importância esquecida do ser humano. Este tem quer ter a atenção primacial e preferencial. É o animal humano o principal bicho da natureza. É ele que pede socorro, que se vai embrutecendo, que – de tanto atropelar e desrespeitar – perdeu balizas. O homem clama para, ainda outra vez, ser domesticado.

Domesticar – lembremos – significa tornar caseiro, doméstico. “Domus” é a casa e, por extensão, a família. E o país, a nação. “Domesticus” refere-se, pois, ao que é ao caseiro, ao familiar. Com as mesmas raízes e origem, há o “domo”, de “domare”, o domar, amansar. O entendimento é da lógica das palavras: o bicho-homem, para viver no “domus” e tornar-se “domesticus”, precisa ser domesticado, domado. Se o fazemos em relação a cães e gatos – por que deixamos de fazê-lo com as pessoas, essas com quem convivemos?

Civilizar sempre teve o sentido, de certa forma, de domar, amansar, domesticar, já me canso de escrever sobre essas coisas. Civilizar é criar máscaras, polir, é a polidez da “pólis”, que se fazem com policiamento, policiando. Na civilização, é a lei que domestica, criando urbanidades. A cultura expande.

Pesquisa recente revelou que cães amestrados entendem 250 palavras. Não se trata de condicionamento, mas de entendimento. Identificam, a partir de 250 palavras, coisas, situações, no nível de entendimento de uma criança de três anos. Por outro lado, já se detectou que o brasileiro usa, em seu cotidiano, apenas 120 palavras. Mesmo assim, parece não ter aprendido que lixo é lixo, que silêncio é silêncio. E que lei é lei.

Assustados com a grosseria no país, governo e lideranças da Alemanha reagiram, criando escolas de boas maneiras, da velha etiqueta, reeducando crianças e jovens executivos. A má educação de tal forma minara os alicerces da pátria de Goethe e de Schiller, que o sério semanário “Der Spiegel” ironizou: “Bem-vindos à república dos insultos.”

Poderíamos, hoje, escrever de nossos lugares de viver: “Bem-vindos às cidades das grosserias”. Ruas, salas de aulas, cinemas e teatros, locais públicos, calçada diante de nossas casas – e, também, muitos lares – tonaram-se palco de agressões, de desrespeitos. O lixo nas ruas, ambulantes ilegais, abordagens nas esquinas, sons enlouquecedores – civilização ou barbárie? E a corrupção, que pode haver de mais incivilizado, grosseiro, brutalizante?

Espíritos desavisados e práticos podem considerar tolice as noções de “boas maneiras”, como se isso fossem, apenas, regras para salões requintados. Não são. Já se provou que a falta de polidez, a grosseria tornam-se causa de infrações, conflitos e crimes. A Alemanha – preocupada com insultos e gestos obscenos – catalogou os delitos originados das grosserias: 165 mil cidadãos estavam sendo processados por infrações cometidas a partir de um gesto agressivo no trânsito, uma incivilidade, uma buzina estridente. E entre nós?

Os brutos estão com 500 anos de atraso. Pois foi há meio milênio que Erasmo de Rotterdam publicou o livro que mudou o mundo ocidental: “como educar uma criança”. São regras que permanecem: não por os pés nas mesas, não comer de boca aberta, não gritar. Hoje, ele também condenaria sujar o chão e fazer barulho, como os permitidos por governos municipais.

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