Drama e comédia

Creio dever desculpas a uma leitora que me honra com seus comentários à coluna. Quando o escrevinhador escrevinha a escrevinhação e o escrevinhado não é entendido, a culpa é do escrevinhador, não do leitor. Tentei escrevinhar uma dramatização sobre a luta insana dos fumantes para deixar o vício e a permanente ansiedade dos que o deixaram. A leitora ficou preocupada, parecendo-lhe ser real um texto apenas ficcional. Mais uma vez – e como acontece sempre – arte e vida confundiram-se. Ficção e realidade, também. “Mea culpa”.

Mas, envaideci-me. Foi como ser Hemingway por um dia. Quando escreveu “Adeus às Armas”, o velho farsante foi de tal forma convincente que se criou a lenda de ele próprio ser o personagem central. Assim – e, para quem não leu o livro, reporto-me ao filme – o Rock Hudson de “Adeus às Armas” parecia interpretar Hemingway. Senti-me, pois, o próprio Ernst quando a leitora entendeu o dramalhão da crônica como fato real. Desculpo-me, ainda que lisonjeado.

O fato é que meu pensamento voou até o presidente Lula. Ora, díreis: que tem o Lula a ver com a leitora preocupada com a escrevinhação? Tudo tem a ver com tudo. E uma coisa puxa a outra. Vai daí, pensei no penoso de vidas levadas excessivamente a sério. E, também, na complicação de tudo, quando se perde o humor, quando não se ri e não se brinca, quando não se relaxa, quando se faz, da vida e do mundo, uma eterna cátedra, eterno tribunal, juízo final diário. Ninguém – marido ou mulher, filhos ou amigos – suportaria conviver com tal chatice. Pois, fazendo-nos importantes demais, bloqueamos saídas, encurralamos pessoas. Apequenando nosso mundo, apequenamos mundos alheios.

Ora, estou velho demais para pretender ser modelo ou exemplo para jovens. Se o homem é ele e sua circunstância, eu sou eu e minha vida. E se há algo – de meu viver e de minha presença no mundo – que eu ambicionaria deixar para meus netos é, apenas, a minha humanidade. E, com ela e portanto, a minha absoluta capacidade para todas as grandezas e todas as misérias. O grande presente – que a vida pode dar a quem se alonga através dela – está, penso eu, na percepção da possibilidade de ser compassivo. A simples perspectiva da compaixão permite enxergar o outro com generosidade. Exigir menos, tolerar mais. Não serei, pois, mestre ou exemplo para meus netos. Deixo-lhes, apenas, o único testemunho que lhes posso e devo dar: viver a vida sem medo de vivê-la. Viver vive-se vivendo. Quando se entende, ruem-se dogmatismos, certezas absolutas, pretensões, moralismos estéreis. Foi quando consegui rir-me de mim. Até mesmo para não chorar por tolices anteriores.

Levar a vida a sério demais dá gastrite, furúnculos, pele e cabelos ressecados, rugas e vincos acentuados, ríctus amargos em lugar de sorrisos, envelhecimento precoce, perda de libido, acne, tiques nervosos e, acima de tudo, o terrível sabor de fel nos lábios da alma. Por isso, penso em Lula. No sorriso do Lula, nas risadas do Lula, no vívido namoro do Lula com a Marisa, nas churrascadas do Lula, nas peladas do Lula, na festa pessoal do Lula. É como se, realmente, rir fosse o melhor remédio. O Lula – parecendo não levar-se a sério e nem a sério levar o governo – torna a carga do brasileiro mais leve. E mais suave, o jugo.

O Brasil de Lula está dando certo. E se tornou mais divertido. Bom dia.

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