E Lula escafedeu-se.

Decididamente, o Brasil perde a graça quando Lula não está diante dos holofotes. A presidenta Dilma poderá até ser mais competente e eficiente do que ele, conforme, aliás, os seus passos iniciais o demonstram. Mas Lula é Lula, como se fosse não o Pelé da política, mas o Garrincha, a quem o povo amou por sua irreverência, graça e simpatia. O sorriso de Lula, as tiradas de Lula, as palavras nem sempre usadas com correção ou com oportunidade, esse jeito de ser encantou o Brasil e, penso eu, sem ele no palco a peça fica mais insossa.

O formidável é que Lula, cujo vocabulário sempre foi criticado e menosprezado pela aristocracia brasileira, começa a refinar-se, sei lá se aprendendo com outros, se com aulas particulares. Ele próprio admitiu que já não fala mais “menas”, sabendo, agora, que menos é menos. Recordo-me de quando, na primeira eleição, o publicitário Duda Mendoza lhe ofereceu, em jantar, um dos vinhos mais caros do mundo, o “Romanée Conti”. O mundo aristocrático quase caiu. Onde já se vira um metalúrgico, cachaceiro, beber tal preciosidade?

O fato é que Lula, saindo do governo com quase 90% de aplauso, deixou um vazio de protagonismo que nenhum outro ator irá repetir. Quando aparece, Lula brilha. Quando se recolhe, sua ausência é notada. Quando surge, é delirantemente aplaudido. E, quando fala, continua surpreendo, a ponto até mesmo de abobalhar as pessoas. Foi o que aconteceu ao ser homenageado como presidente de honra do PT, na celebração do 31º aniversário do partido. E não é que, já desencarnando da Presidência da República, Lula nos aparece com um refinamento de linguagem nunca antes reconhecido na história deste País? Pois Lula ressuscitou o verbo escafeder-se, um verbo tão refinado que, tenho certeza, milhões de pessoas nunca o ouviram antes de Lula retomá-lo.

Escafeder-se foi verbo clássico, usado por autores que cultivavam o preciosismo da linguagem. Escafeder-se, ainda que pouco usado, significa “sair, fugir apressadamente, safar-se.” Tinha o mesmo sentido de outra expressão clássica, antiga, acho que nunca mais usada por ninguém: “sair às de vila-diogo”. Sei lá, eu, o que era a Vila Diogo, mas o fato é que “sair às de vila-diogo” era retirar-se apressadamente, cair fora, escafeder-se.

Lula requintou a linguagem. E, no discurso à companheirada petista, fez um desabafo desafiador: “quem pensa que eu vou deixar a política vai se escafeder.” Quando ouvi, estranhei, admirando o novo refinamento do eterno presidente Lula. Mas não entendi: se quem pensa que Lula deixará a política irá escafeder-se, isso significa que quem pensou irá retirar-se, sair às pressas. Demorei mais um pouquinho para tentar absorver o pensamento do líder Lula. E, então, entendi: para Lula, escafeder-se tem outro sentido, pelo menos aquele desabafo. Perdoe-me o leitor pelo uso de linguagem chula, mas o grande Lula quis dizer que quem pensar em sua retirada da política irá foder-se. Ou escafeder-se. Daí tem sentido. Para se ver que gente fina é outra coisa. Lula falou e escafedeu-se. E, a partir de agora, o uso do verbo escafeder-se será mais amplo e interessante. Bom dia.

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