Encantos e desencantos de idosos

IdososQuando idosos, velhos amigos encontram-se apenas ocasionalmente. E os lugares são sempre os mesmos: farmácias, consultórios médicos ou odontológicos, hospitais, em velórios. Os olhares que se trocam são de cumplicidade, algo revelador de fragilidades e desencantos. “Tempus fugit”, mas só se tem consciência disso quando já aconteceu. Quem provou provou, quem não provou não prova mais.

Enganam-se, porém, os que pensam não termos, os idosos, outros e novos encantamentos. Bulas de remédios, por exemplo. Se, até os 50 ou 60 anos, elas não tinham qualquer importância, passam, depois dessa idade, a ser literatura não apenas essencial, mas atrativa, curiosa, instrutiva. Lembro-me, por exemplo, de certa vez quando um de meus médicos me receitou determinado medicamento. Ora, se houve tempo em que ofereci resistência a remédios, passei, agora, a ser um homem obediente e submisso: se médico receitou, tomo sem hesitar. Mas leio a bula. Pois descobri que, na maioria das vezes, os efeitos colaterais são muito piores do que a própria enfermidade que se tem. O povo sempre foi sábio: o que não cura mata.

Foi o que me aconteceu com aquele medicamento. Confesso tê-lo achado estranho, já nem mais me lembro do nome dele. Li a bula e, quase ao final, lá estava: era recomendado para tratamento de debilidade mental e crianças excepcionais. Até hoje, não entendi se, para o médico, eu já era um débil mental ou se eu nascera com alguma deformação não cuidada.

Voltando ao assunto, nós, idosos. Há, sim, novos encantos, encantamentos. E as reuniões em velórios se tornam fascinantes, pois há um código não falado, apenas implícito: não se fala do morto, que já morreu e que lhe seja leve a terra, mas que não nos importune com essa constatação óbvia do finito. Para quê? Então, idosos falam de vida, de prolongá-la, de mantê-la, trocando receitas, informações, falando de últimos lançamentos da indústria farmacêutica, de um novo médico que, dizem, estaria realizando verdadeiros milagres geriátricos.

Pode parecer que os temas são sempre os mesmos, mas diferem na intensidade ou em alguma singularidade: colesterol, triglicérides, glicemia, artrite, próstata – em se tratando de homens, obviamente – sendo, porém, verdadeiro tabu falar-se na tal disfunção eréctil que, antigamente, era conhecida simplesmente como impotência. Homem que é homem não fala disso para outro homem. Quando muito, dá alguma desculpa à companheira, se ainda tiver alguma.

Tenho um amigo que, para não tocar no assunto – e estávamos, desta vez, numa mesa de bar, com cuidadosos goles de cerveja, alguns com refrigerante ou apenas água mineral – explicou porque deixara de ter atividade sexual: “Dá uma preguiça…” Que, conforme o caso e a idade, parece ser sinônimo de disfunção sexual, a tal impotência. Um outro, por sua vez, quando se falava de Viagra e de congêneres, deu um longo e profundo suspiro de desalento: “Nem experimentei, desde que soube que não funciona se não houver desejo pela companheira. E eu e ela…” – suspirou e calou-se.

De uma certa forma, a idade leva homens a retornarem aos tempos primitivos, mas autênticos, mais voltados à natureza. Tornam-se especialistas em chás, em ervas, em raízes. E lá se trocam receitas de beberagens onde entram guaraná, ginseng, catuaba, levedo de cerveja, marapuama, suco de berinjela com alho, essas coisas que, na verdade, são secularmente vendidas e indicadas em feiras de lavradores nordestinos, de indígenas aculturados.

Posso garantir que conversas entre idosos têm delícias pouco conhecidas, especialmente quando feitas de mentiras homéricas. Parece que não se fala mais no tempo que passou, como se juventude e força de maturidade despertassem mais desolação do que saudade. Fala-se de driblar o tempo, de vencer a natureza, como se, não mais tendo o que fazer ou não mais podendo fazer o que se fazia, nada mais restasse do que se transformar em velhos feiticeiros, pajés, alquimistas, cada qual com o seu caldeirão de bruxarias. Jovens não sabem o que estão perdendo. Mas, se pararem de engordar tanto, poderão chegar à idade das formidáveis conversas e trocas de experiências em velórios, ambulatórios, hospitais, salas de recepção de médicos e de dentistas. Que assim seja. Bom dia.

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