Enlouquecendo pelos filhos

O texto foi publicado em 19 de outubro de 1982 em O Diário e depois selecionado para o livro Bom Dia – Crônicas de Autoexílio e Prisão, lançado em 2014

Pouco há de tão verdadeiro quanto os versos do poeta: “a mão que afaga é a mesma que apedreja”. Pois há, em cada ser humano, uma porção de anjo e outra de demônio, uma parte racional e outra, animal. A razão e o instinto. A comunicação e a incomunicação. A ternura e a cólera. O amor e o ódio. O perdão e a crueldade. Somos capazes de todos os sentimentos, diferenciando-nos – quem sabe? – apenas nas proporções em que os vivemos. Uns mais, outros menos. Alguns contêm seus impulsos e instintos com mais facilidade, outros extrapolam.

De minha parte, confesso aquilo que sou, não me importa se certo ou errado: mais coração do que razão, mais emoção do que racionalidade. Parece-me que penso não com o cérebro, mas com a alma. Por isso, sou capaz de todas as delicadezas, mas, também, de todas as violências. Oscilo, em questão de minutos, entre o poeta e o guerreiro, entre o cavalheiro e o bruto. Deus, porém, deu-me um grande privilégio: sou incapaz de odiar, talvez porque, em meu passado, odiei tanto e a tantos. A indignação, porém, permanece.

Hoje, o ódio cedeu lugar à cólera. Logo, consigo ser colérico sem odiar. E a cólera pode ser, em alguns momentos, uma virtude, mesmo porque existe a cólera de Deus. Sou, pois, capaz de suportar todas as cargas, todas as lutas, todas as dificuldades, pois me deixo mover pela esperança. Ou, como diz minha mulher, absolutamente louco ou absolutamente forte. Absolutamente nada, porém. Um pouco dos dois, talvez. Mas não sei suportar a traição, a luta desleal em que os atingidos são terceiros inocentes. A mim, podem tentar atingir-me, bandidos e inimigos. Sei defender-me e, se preciso for, reajo e também agrido. Mas não o façam com meus filhos! Não o façam, peço-o, por Deus!

Ainda não sei até que ponto estão, minhas crianças, marcadas pelas minhas lutas. Por isso, não tentem alcançá-las, peço-o, por Deus! Não o tentem, porque o animal, que existe em mim, reagirá com toda a fúria dos instintos e da irracionalidade. Peço e previno: sejam meus filhos poupados nessa guerra suja. Ainda, tento mostrar-lhes que o ser humano é bom, que há esperança para a humanidade, que vale a pena combater o bom combate. Se meus filhos forem atingidos em sua dignidade de crianças e de adolescentes – como já estão sendo ameaçados — serei, eu, o primeiro a mostrar o que de violento há dentro de um homem: a explosão visceral do somatório de todas as cóleras. Serei, prometo-o, o primeiro a lhes mostrar que é possível matar ou morrer, mesmo num mau combate.

Esse psicopata-marginal — que está aí à solta, com o silêncio cúmplice ou conivente de omissas autoridades — começa a despertar, em mim, toda a fúria animal escondida. Se esta explodir, não terei dúvida – para poupar meus filhos -de fazer, com as mãos, o que a Justiça já deveria ter feito. Não estou blefando. Apenas antecipo que chego ao fim da paciência. Bom dia.

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